Nómada digital a viver em Lisboa questiona: "Está na hora de sair?"

Nómada digital britânica escreveu artigo de opinião para o jornal The Guardian onde questiona a continuidade da sua estadia no país, não por causa do estilo de vida, que admira, mas por causa do impacto da sua presença na comunidade local.

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© Zed Jameson/Anadolu via Getty Images

Carolina Pereira Soares
28/07/2025 16:45 ‧ há 9 horas por Carolina Pereira Soares

Mundo

Imigração

Melhores condições de vida, mais segurança, benefícios fiscais atrativos e um tempo soalheiro: são estas as razões que levam muitos imigrantes a vir para Portugal.

 

Quem o diz é a britânica Alex Holder, residente de Lisboa, num artigo de opinião publicado no The Guardian, onde reflete sobre a própria experiência de imigração e partilha a de outros, ao mesmo tempo em que se questiona: "Está na hora de sair?"

Alex traça um marcado contraste entre os nómadas digitais e os residentes locais e diz saber de onde vem a resistência mútua: um misto dos interesses do Governo português com alguma "arrogância" por parte dos próprios estrangeiros - os que são como ela, sublinha, notando que o tratamento que é conferido a pessoas com rendimentos avultados não é o mesmo que é dado a todos os outros.

A autora fala numa sensação de “arrogância” por parte dos nómadas digitais na adaptação à realidade local, um comportamento que abre ainda mais o fosso entre visitantes e locais e o sentimento de exclusão.

Os nómadas usufruem do regime de residência não habitual (Non-Habitual Resident, NHR) e do visto de nómada digital, que isenta de imposto o rendimento proveniente de outros países (ainda que mediante condições). Esta presença impulsiona a gentrificação: rendas cada vez mais altas, mercado da habitação inflacionado, negócios tradicionais que deram lugar a negócios cujo público-alvo não são os portugueses, mas sim outros estrangeiros.

Ainda que admirando o estilo de vida, Alex diz sentir-se excluída da comunidade local e questiona se tem o direito de ocupar o espaço que antes pertencia a quem nasceu e cresceu ali.

Portugal e a atração pelo “sol, as praias, os cafés fotogénicos”

Alex mora no “distrito em cores de pastel” da Lapa, em Lisboa, há já cinco anos com a família. Trabalha a partir de casa, “com vista para as palmeiras” enquanto faz videochamadas com empresas de publicidade londrinas. É paga em libras, depositadas numa conta do Reino Unido. Veio para Portugal “apenas porque podia”, atraída pelo “sol, as praias, os cafés fotogénicos”.

No prédio de quatro andares em que mora, não é a única estrangeira. No piso de cima os vizinhos fazem dinheiro através de clientes franceses; do outro lado do corredor, três escandinavos que trabalham para os próprios países à distância; no debaixo um ‘coach’ financeiro que lida com pessoas de todo o mundo. Pelo meio, há quatro irmãos na casa dos sessenta - os únicos portugueses num prédio que pertence a portugueses.

Os benefícios fiscais

Alex conta que foi “surpreendente fácil” tornar-se residente em Portugal. Como freelancer conseguiu o Estatuto de Residente Não Habitual, que lhe dá direito à isenção dos rendimentos de fonte estrangeira. 

Uma antropóloga, com quem Alex Holder falou, explica que “quem concorre precisa de demonstrar que são independentes, têm determinado tipo de rendimentos e seguro de saúde privado”. “É esperado deles que tragam consigo o próprio trabalho, para que não tirem o trabalho dos locais”, acrescentou a professora da Universidade de Barcelona, Fabiola Mancinelli.

O objetivo é atrair imigrantes com determinados rendimentos para o país, de forma a que mais dinheiro entre para a economia nacional e local, segundo assevera.

Mas Alex nota que os cafés tradicionais são substituídos pelos brunch e que o comércio local é trocado por estúdios de ioga - muitas vezes detidos por imigrantes. “O que eu vejo é estrangeiros a gastar dinheiro com outros estrangeiros”, diz Alex.

E o problema não acaba aqui. Alex conta a história de um outro britânico, também ele de Londres, que durante o primeiro ano em Portugal nem sequer se apercebeu de que não pagava qualquer tipo de impostos sobre o que ganhava no estrangeiro. Mais: a mulher, Ana, portuguesa e retornada, beneficiava da mesma condição por ter vivido muitos anos no estrangeiro.

Chris Pitney conta que foi só depois de contar aos sogros a situação fiscal “e ver a frustração nas suas faces” que percebeu a injustiça. “A minha família portuguesa trabalha dias mais longos, ganha menos e paga mais impostos”, explica. E acrescenta que é “normal que quem tenha ficado esteja desmotivado". "A situação da Ana mostra como o sistema fiscal português beneficia aqueles que foram para fora e regressaram”, escreve.

O problema da Habitação

Lisboa é a cidade mais inacessível para morar em toda a Europa, segundo a Numbeo, a maior base de dados sobre o custo de vida - e os preços continuam a aumentar. 

Os estrangeiros pagam a maior parte desta fatia. Em média, as propriedades que compram são 82% mais caras do que aquelas que dos portugueses. Até recentemente, um mês normal de salário em design no Reino Unido permitia uma vida de luxo em Portugal, conta Alex.

Mas, ultimamente, o panorama tem mudado até para os estrangeiros que auferem mais do que a grande maioria dos portugueses.

Alex relata que conhece cada vez mais trabalhadores estrangeiros, em trabalho remoto, “que se exilaram dos seus serviços de saúde e segurança social dos seus estados, não têm qualquer tipo de segurança laboral, sem recursos humanos, e sem possibilidade de progressão na carreira”. “E, mais e mais, olham para si gentrificados para fora dos bairros em que queriam viver”, acrescenta.

Nómadas digitais, os novos turistas que estão a ficar rendidos a Lagos

Nómadas digitais, os novos turistas que estão a ficar rendidos a Lagos

Nómadas digitais vindos de outros países europeus, mas também portugueses, estão a ficar rendidos a Lagos, no Algarve, cidade onde já existe uma comunidade significativa destes trabalhadores remotos, que são considerados os novos turistas.

Lusa | 07:05 - 26/02/2023

Alterações à Lei da Nacionalidade

Recentemente, o Governo português anunciou que pretendia aumentar o tempo de residência em Portugal de cinco para dez anos para os estrangeiros que queiram obter a cidadania portuguesa.

“É uma decisão aparentemente motivada pelo racismo”, afirma Alex, que considera que a medida visa atingir os estrangeiros do Indostão (Bangladesh, Nepal, Índia, Paquistão) e sem os quais “Portugal não teria indústria agrícola”.

Em conversa com a Alex, a porta-voz do Movimento Democracia na Europa 2025, Nadia Sales Grade, considera que o problema de Portugal acontece por toda a Europa e que “é o resultado de um sistema terrível, no qual os ricos podem fazer tudo o que querem, enquanto as pessoas comuns pagam”. 

Nadia Sales Grade defende que as empresas e aqueles que não contribuem para a economia devem pagar mais impostos. “Mas, mais importante do que isso, o Governo português tem de implementar políticas de habitação reais e controlar as rendas”.

Falta de integração da comunidade estrangeira

Alex diz que se sente “à deriva” em Portugal, neste momento - e que não é a única em trabalho remoto a sentir-se assim. 

“O que é que acontece quando nunca te voluntarias, ou passas tempo com um idoso, ou raramente apanhas os transportes, ou lês as notícias nacionais?”, questiona Alex. Logo na frase seguinte responde à própria questão, afirmando que há uma “desconexão da cultura que molda a nossa vida diária”. E remata: “Eu não estou integrada o suficiente para dar da mesma forma que tiro”.

Leia Também: Governo vai avaliar possibilidade de ligação elétrica a Marrocos

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