O debate tem sido longo e complexo, apesar de ser recente, mas as dúvidas ainda parecem permanecer quanto às alterações que o Governo pensa fazer com a revogação das faltas de luto gestacional.
Ora, os direitos da mulher, neste caso os salariais, ao que tudo indica vão permanecer iguais com a eventual revogação da legislação dos três dias de luto gestacional. Passa a poder usar apenas da licença por interrupção de gravidez, que vai dos 14 aos 30 dias (dependendo das indicações médicas), e é paga a 100% da sua remuneração de referência.
Diz o portal de serviços públicos da República Portuguesa, que este valor tem em conta a média de remunerações “nos primeiros seis meses dos últimos oito” sem contar com subsídios de férias e de Natal. Quando o salário registado for muito baixo, o mínimo é 13,58€ por dia. Nas regiões autónomas, a este valor acrescem 2%.
Assim sendo, há três diferenças no caso da mulher.
Primeiro, o tempo que pode ficar em casa, que passa de três dias para um mínimo de 14.
Segundo, passa a haver uma maior formalidade no processo, dado que passa a ser preciso uma declaração médica.
E por último, a origem do pagamento da remuneração. Com as faltas por luto gestacional era a empresa empregadora que tinha de pagar na totalidade esses três dias. Com a alteração para a licença por interrupção de gravidez o pagamento passa a ser feito pela Segurança Social, ou seja, pelos contribuintes.
Os cônjuges ou parceiros podem ficar sem remuneração
Já os cônjuges ou parceiros das mulheres não podem beneficiar da mesma licença e, portanto, não vão beneficiar da mesma legislação.
Sem direito a licença por interrupção da gravidez, os parceiros terão de justificar as faltas como assistência a um membro do agregado familiar, em casos como este.
Diz o Artigo 252.º do Código do Trabalho que “o trabalhador tem direito a faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente, cônjuge ou pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, parente ou afim na linha reta ascendente ou no 2.º grau da linha colateral”.
E aqui surgem algumas questões, nomeadamente a da remuneração dos cônjuges ou parceiros que decidam usar estas faltas.
Ao Notícias ao Minuto, a advogada Catarina Lima Soares, especializada em direito do trabalho e recursos humanos, explica que “a remuneração depende da eventual atribuição de subsídio pela Segurança Social, o que, neste caso, não está claramente previsto para situações de perda gestacional de um familiar.” E acrescenta que “o parceiro poderá ter de faltar, mas sem remuneração - salvo se houver interpretação extensiva ou futura clarificação legal nesse sentido.”
Uma situação que o próprio Executivo já admitiu, em entrevista à Lusa. “A proposta do Governo presente neste anteprojeto permite ao outro progenitor ter um maior período de ausência justificada, sem remuneração", disse o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social.
Pode haver tratamentos desiguais
Mas as questões com esta legislação não ficam por aqui. Diz o artigo em causa que as faltas são “para prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente”. No entanto, a interrupção de gravidez não é considerada nem uma “doença” no sentido técnico-jurídico, nem um “acidente”.
Catarina Lima Soares diz que “a sua inclusão no âmbito das faltas por assistência a familiar dependerá da interpretação do médico e da aceitação da entidade empregadora ou da Segurança Social.”
Ou seja, caso a legislação permaneça como está atualmente “pode levar a tratamentos desiguais e a dificuldades na justificação e remuneração das faltas do parceiro, sobretudo em situações de perda precoce da gravidez, onde não há internamento ou intervenção médica prolongada”, explica a advogada.
No caso dos parceiros e cônjuges falamos, então, não só da perda de remuneração, mas também de faltas que podem nem sequer ser aceites pelas respetivas entidades - ou que sejam aceites em alguns casos e não noutros, apenas por sorte ou acaso.
Portanto, o “regime mais favorável aos companheiros da gestante” de que a tutela fala, referindo-se ao aumento de três para 15 dias de faltas justificadas, pode nem sequer ser aplicado em alguns casos. Isto, lá está, se a legislação permanecer igual e não houver clarificações adicionais quanto aos direitos do parceiro nestas situações.
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