"Cabo Delgado vai ser uma das províncias mais seguras a nível do país (...). Vai ser uma das experiências de como se conquista um território e de como se consolida uma estabilidade. Estamos numa fase, numa fase turbulenta, mas não nos abana e não nos põe a abandonar a província", afirmou Tauabo, em entrevista à Lusa, em Pemba.
O governador da província, uma das mais ricas de Moçambique, com grandes reservas de gás natural, minérios e pedras preciosas, entre outros, reconheceu que, após dois anos de relativa "acalmia", que permitiu o regresso de milhares de famílias deslocadas às aldeias de origem, Cabo Delgado voltou a ver recrudescer nos últimos três meses o movimento de grupos terroristas, sobretudo desde finais de junho.
Ainda assim, em menor escala face ao passado dos ataques terroristas, que já se prolongam desde 2017 em Cabo Delgado, e que, pela "resiliência" e "esforço da população e das Forças de Defesa e Segurança (FDS), deixam o governador convicto: "Estamos com muita confiança e com muita fé de que melhores dias para Cabo Delegado não estão muito longe".
"Este momento é para quem investe. Para quem é empresário, este é o melhor momento para poder vir a Cabo Delgado e fazer o seu investimento (...). As portas estão abertas. Quando chegar amanhã, fica tarde. Aí vai nos criar constrangimentos. Nós não vamos conseguir-lhe dar a satisfação", alertou Tauabo, sinalizando o potencial da província em praticamente todas as áreas económicas.
Ainda assim, não escondeu a instabilidade dos ataques das últimas semanas, em vários pontos da província, confirmando baixas entre a população e guerrilheiros tradicionais 'naparamas', que igualmente combatem os grupos de insurgentes.
"Tivemos conhecimento também que houve baixas, do qual lamentamos pela situação e solidarizamo-nos também com as famílias enlutadas", apontou.
O recrudescimento da atividade destes grupos, admitiu, começou a sentir-se no início do ano: "Alguma velocidade de querer se fazer sentir a sua presença, mas também não ficavam sozinhos porque as FDS sempre estão na perseguição deste grupo".
Acrescentou que 2023 e 2024 foram anos de "razoabilidade, onde a população já estava a começar a ganhar a esperança de que os melhores dias já estão muito próximos".
"Nos últimos três meses, mais uma vez, aparecem aqui, aparecem ali, a movimentar-se e de novo a assustar a população. E agora tivemos essas últimas incursões de há um mês atrás para cá", assumiu Tauabo.
No terreno, admite que uma das preocupações foi desmantelar as bases dos grupos terroristas e evitar o uso da população como escudos, nos combates com as FDS.
"Era necessário desmantelar as bases onde ficavam a pensar, a planear o fazer mal, não é? E também não poderiam ficar dessa forma. Então, as FDS conseguiram recuperar essas bases. E é o que se nota agora. Então, eles também ficam em busca de zonas para sossego (...) As FDS têm o cuidado de não intervir de qualquer maneira, porque eles fazem de escudo a própria população, levam consigo a população", explicou Valige Tauabo, sobre as operações no terreno.
O objetivo é também "serem encontrados fisicamente, que é para ficarem presos e irem responder em tribunal. Esta é a visão", acrescentou.
Elementos associados ao grupo extremista Estado Islâmico reivindicaram um ataque, na quinta-feira, à aldeia e ao posto policial de Chiúre Velho, igualmente no sul da província de Cabo Delgado, com armas automáticas, levando material do seu interior.
A reivindicação, feita através dos canais de propaganda, é documentada com um vídeo, em que os rebeldes, alegadamente pertencentes ao grupo Ahlu-Sunnah wal Jama`a (ASWJ), surgem a disparar rajadas de tiros de metralhadora e entram naquele posto policial, garantindo ter levado material, após queimarem uma viatura e "libertarem presos muçulmanos", com registo de pelo menos uma pessoa decapitada no centro da localidade.
Nos últimos dias há registo de incidentes, com ataques, mortos, rapto de camponeses e populações em fuga também em aldeias do distrito de Ancuabe e no posto administrativo de Ocua.
Oficialmente, agências no terreno contabilizaram pelo menos 34.000 novos deslocados só entre 20 e 25 de julho, devido a novos ataques insurgentes, nos distritos de Chiúre, Ancuabe e Muidumbe.
Só em Chiúre sede, a onda de deslocados que se avoluma desde quinta-feira, atinge - segundo estimativas avançadas no local à Lusa -, as 3.500 famílias, distribuídas por casas de familiares, mas sobretudo por dois centros temporários em duas escolas da vila, esta semana sem aulas.
Na escola dos Coqueiros, Chiúre sede, estão mais de 1.900 famílias, que desde terça-feira começaram a receber ajuda humanitária das agências das Nações Unidas, no mesmo recreio em que as mulheres cozinham de forma improvisada e centenas de crianças brincam quase normalmente, numa escola sem aulas.
A província de Cabo Delgado, no norte do país, rica em gás, enfrenta desde 2017 uma rebelião armada, que provocou milhares de mortos e uma crise humanitária, com mais de um milhão de pessoas deslocadas.
Pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos no norte de Moçambique em 2024, um aumento de 36% face ao ano anterior, segundo estudo divulgado em fevereiro pelo Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS).
De acordo com aquela instituição académica do Departamento de Defesa do Governo norte-americano, que estuda assuntos relacionados com a segurança em África, esta "recuperação dos níveis de violência" em Moçambique "reflete a estratégia" do grupo ASWJ -- afiliado do EI, a operar na província de Cabo Delgado - de "alargar o conflito, deslocando-se para o interior e para áreas mais rurais".
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