A seguir ao Vasco da Gama, que ali nasceu, o Festival Músicas do Mundo -- que hoje termina mais uma edição, findos nove dias de concertos -- é a marca mais conhecida do concelho alentejano, assinala Otília Costa, presidente da associação de comércio local.
"É uma marca tão forte que quem vier [para a câmara municipal] vai ter que se adaptar", entende a empresária, que não consegue contabilizar os ganhos, mas afiança que o FMM "representa muito para as empresas locais", que, durante o festival, faturam "muito mais" do que no mês de agosto.
Por isso, o FMM "está tão enraizado, faz parte tanto desta comunidade, que venha quem vier, (...) não vai deixar de acontecer", prevê.
Manuel Coelho, o autarca que criou o festival, assume ter "dúvidas" sobre se hoje seria possível ter avançado com um festival da natureza do FMM, organizado exclusivamente por uma câmara municipal.
Médico de profissão, quando entrou para a câmara em 1997, eleito pela CDU, Manuel Coelho queria "fazer coisas (...) consistentes e duradouras" e Sines "precisava de um grande acontecimento cultural, porque era visto até aí como um centro de poluição, de desgraças", entre a pesca e a refinaria.
Manuel Coelho quis fazer "um festival não segmentado, (...) de todos os géneros de música", com "qualidade, diversidade e universalidade", e convidou Carlos Seixas para o produzir.
O FMM surge em 1999 como uma resposta à "pobreza cultural" que marcava Sines, que "passou de uma terra com um certo estigma para um centro irradiador de cultura e de arte", compara Manuel Coelho, reconhecendo estar "um bocado apreensivo" quanto ao futuro do festival que atrai cerca de 100 mil espectadores por edição.
"O mundo está confuso (...) e Sines também não foge à regra. Temos uma diversidade de formações políticas... e tenho receio (...) de não haver [um executivo] com força possível e com vontade", antecipa aquele que foi presidente da câmara durante 16 anos (desvinculou-se do PCP em 2009, mas depois foi reeleito pelo movimento independente SIM).
Já Carlos Seixas é mais confiante: "Este festival está consistente. Seria, talvez, catastrófico que alguém viesse, o que eu não acredito, e acabasse com este festival."
O diretor artístico e de produção recorda que o objetivo foi criar "um festival democrático, um festival que não fosse só entretenimento", mas também "um lugar de liberdade, um lugar de luta contra a intolerância".
Concebendo-o como um serviço público, a autarquia "assumiu o festival como seu, para garantir a sua continuidade e o seu financiamento", explica Manuel Coelho, recordando que foi preciso "convencer a população", que inicialmente reagiu com "medo" à ideia, mas, "a partir do segundo festival", assumiu-o "como seu".
A população de Sines "tem o festival na mente e no coração", acredita, esperando que, após as próximas autárquicas, "haja um bom executivo que continue na mesma senda".
A câmara de Sines passou para o PS em 2013, mas pouco ou nada mudou no FMM.
"Este festival faz parte de uma estratégia que o município tem tido ao longo dos anos de promover o território", situa Nuno Mascarenhas, o atual presidente da câmara, que deixará funções após as autárquicas, por limite de mandatos.
"Não creio, sinceramente, que seja possível acabar com este festival", concorda.
"Há sempre aspetos a melhorar", reconhece, mencionando a sustentabilidade financeira do festival, cujas receitas estão "um pouco aquém" das necessidades, sobretudo no período pós-pandemia, em que os custos "têm subido exponencialmente".
Ao mesmo tempo, é preciso envolver mais empresas e entidades, ainda que resistindo a fazer do FMM um festival comercial, vinca, sugerindo uma maior autonomia do FMM em relação à gestão da câmara municipal.
Ao longo de 25 edições, o FMM "cresceu muito", em artistas, palcos e concertos, mas também em atividades, apresentando hoje uma programação com exposições, debates, oficinas.
Liliana Rodrigues, coordenadora da programação paralela do FMM, dá como exemplo as oficinas para crianças, que "começaram por ser uma coisa muito pequenina", mas cresceram "desmesuradamente".
A Lusa assistiu à oficina com Bia Ferreira, que juntou 400 crianças de várias idades, para ouvirem a artista brasileira falar de "como é importante a gente ter amiguinho de todo o lugar".
"Ser diferente é legal, o preconceito é feio, digam não ao racismo, levantem a bandeira do amor", pediu a música, ensinando às crianças o significado da palavra empatia.
"Quando a gente consegue educar crianças com afeto e empatia, a gente cria adultos que têm mais afeto e mais empatia também", salientou Bia Ferreira, em declarações à Lusa a seguir à oficina.
"Acredito nas crianças enquanto pequenas chamas para essa fogueira da revolução que a gente está construindo", disse.
"Fico muito feliz quando tenho crianças na minha plateia, porque elas são o meu termómetro. Se as crianças conseguem entender a mensagem que eu estou passando, quer dizer que todo mundo entendeu. Porque não é possível que uma criança entenda e um adulto não, né?", observou, apontando o dedo aos pais que não percebem e esperando "que os filhos deles sejam diferentes deles" e "consigam bloquear esse preconceito e essa xenofobia".
As oficinas para crianças são "das atividades mais concorridas" e "significativas" do FMM, porque permite "formar públicos", estimulando "o gosto pela música" dos mais novos, assinala Liliana Rodrigues,
Ao mesmo tempo, acrescenta, permite quebrar "a barreira que ainda existe em muitos festivais na relação entre o espectador e o artista".
Leia Também: Músicas do Mundo instala-se em Sines para maratona de 39 concertos