O Governo quer que as micro, pequenas e médias empresas possam avançar com despedimentos por justa causa, por factos imputáveis ao trabalhador, sem apresentarem provas pedidas pelo trabalhador ou ouvir o que as testemunhas apresentam para o defender, durante o processo disciplinar. A medida consta do anteprojeto do Executivo de Luís Montenegro para rever a legislação laboral.
O que vai mudar?
Ana Rita R. Ferreira, Associada Sénior de Laboral da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, explicou ao Notícias ao Minuto que, "atualmente, a lei laboral exige que, no caso de o empregador pretender promover o despedimento por justa causa do trabalhador, antes de mais, deve apresentar uma nota de culpa, na qual lhe sejam dados a conhecer os factos que lhe são imputados, bem como a intenção de proceder ao seu despedimento".
Já "ao trabalhador é permitido consultar o processo e apresentar resposta à nota de culpa, nos 10 dias úteis seguintes, podendo juntar documentos e solicitar a realização de diligências probatórias, nomeadamente a inquirição de testemunhas".
"O empregador tão só pode recusar a realização destas diligências probatórias requeridas pelo trabalhador se as considerar patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo fundamentar por escrito a sua recusa. Não é também obrigado a proceder à audição de mais de 3 testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total. Exige-se, ainda, que sejam remetidas cópias do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, de forma a que estas entidades possam emitir o seu parecer", explicou a advogada.
Ana Rita R. Ferreira esclarece ainda que, atualmente, "admite-se apenas uma exceção a este regime: o procedimento a seguir nas microempresas (empresas que empregam menos de 10 trabalhadores)", sendo que, "neste caso, a lei já admite que seja dispensado o envio de qualquer cópia do processo à comissão de trabalhadores e à comissão sindical e, por consequência, a emissão de parecer por parte destas entidades".
"Agora, o Governo quer tornar esta exceção a regra geral e dispensar do cumprimento das referidas formalidades todas as micro, pequenas e médias empresas. Ou seja, todas as empresas que empreguem até 250 trabalhadores", conclui.
Porém, as mexidas não ficam por aqui: "Está também prevista a possibilidade de não serem realizadas as diligências de prova requeridas pelo trabalhador. Isto é, de ser legítimo às empresas não levarem a cabo as diligências probatórias solicitadas por aquele, nomeadamente de ouvir as testemunhas por si indicadas".
Na prática, "quer isto dizer que se, atualmente, o empregador somente pode recusar a realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador em casos devidamente fundamentados, se esta alteração legislativa for avante, essa recusa, no caso das micro, pequenas ou médias empresas, poderá passar a ocorrer sem qualquer justificação associada. Está em causa uma medida que poderá afetar mais de 99% do tecido empresarial, tendo assim uma significativa abrangência".
Despedimentos vão ser simplificados?
A advogada Ana Ferreira explicou ainda que a "vantagem associada esta medida é, sem dúvida, a desburocratização do procedimento disciplinar que, de facto, se afigura complexo, nomeadamente para as empresas de menor dimensão que, muitas vezes, não dispõem de meios suficientes para recorrerem a apoio jurídico".
Por outro lado, "não menos verdade é que o risco de se proferir uma decisão disciplinar desconforme com a realidade e, portanto, posteriormente alterada em sede judicial, é consideravelmente maior".
Alerta ainda que "poderá estar a ser colocado em causa um dos princípios basilares do procedimento disciplinar: o direito de defesa do trabalhador".
"Efetivamente, com esta medida, a fase de instrução, de produção de prova por parte trabalhador, poderá deixar de existir se o empregador simplesmente assim o decidir. Já em 2009 o Código do Trabalho tornou facultativas as diligências probatórias. No entanto, essa regra foi declarada inconstitucional em 2010, exatamente por se entender que a defesa do trabalhador não era assegurada nessas situações. A agora pretendida nova alteração legislativa pode também assim não passar no crivo do Tribunal Constitucional", adiantou a advogada.
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