"Os mecanismos de revisão de preços oferecem uma solução para assegurar a viabilidade económica de projetos ferroviários. A incorporação de cláusulas flexíveis em contratos públicos para material circulante, infraestrutura ferroviária e sistemas de controlo ferroviário iria facilitar a adaptação dos fabricantes às flutuações do mercado", pode ler-se num relatório da KPMG a que a Lusa teve acesso.
De acordo com o relatório independente, intitulado "Setor ferroviário na Europa e em Portugal", a consultora refere que tais mecanismos promovem "não só a continuidade dos projetos, mas também um equilíbrio justo entre as partes do contrato, tornando mais fácil tanto às entidades públicas como aos contratados lidar com desafios económicos excecionais vindos das circunstâncias de instabilidade global e incerteza".
Em Portugal, o relatório datado de dezembro do ano passado recorda o decreto-lei 36/2022, precisamente relativo à revisão de preços e aplicado a todos os contratos públicos, criado para vigorar em 2022 em face da inflação.
O documento dá exemplos de contratos no setor ferroviário que não foram abrangidos pelo decreto, nomeadamente o fornecimento, pela Stadler e Siemens Mobility, de um novo sistema de sinalização e comboios para o Metro de Lisboa, o contrato dos 22 novos comboios para a CP - Comboios de Portugal fornecidos pela Stadler, e o contrato dos 117 comboios urbanos e regionais para a CP atribuído à Alstom.
Já outros contratos mais recentes incluíram mecanismos de revisão de preços, nomeadamente o de 24 unidades triplas (com opção de mais 12) para o Metro de Lisboa encomendadas à Stadler, o concurso público para a linha violeta do Metro de Lisboa e o concurso lançado em 2024 para 22 veículos (mais 10 de opção) do Metro do Porto.
"A implementação do decreto-lei de 2022 estendeu a possibilidade, que já existia em contratos de construção civil, de rever os preços nos contratos públicos no setor ferroviário, um passo importante para proteger contratos de longa duração face à inflação e flutuações do mercado", pode ler-se nas conclusões do documento.
Porém, como o decreto teve duração limitada e "resultou na exclusão de diversos contratos da possibilidade de revisão", pelo que reflete "a necessidade de estabelecer um modelo de natureza permanente".
O relatório elenca ainda medidas tomadas em países como a Roménia, Alemanha, França, Irlanda ou Espanha, e recorda que os contratos públicos no setor ferroviário são "complexos, de longo prazo e altamente técnicos, o que requer bom planeamento em termos de calendário, custos, garantias de qualidade, conformidade regulatória e manutenção".
"Como estes são projetos de longo prazo, estão expostos a flutuações económicas durante a sua implementação, o que aumenta a incerteza sobre os custos de fornecimento de materiais, trabalho e energia", refere o documento, pelo que os contratos deste setor "requerem flexibilidade suficiente para se adaptar a mudanças inesperadas nos preços".
Tal aconteceu após os anos de 2019 e 2020, com o impacto da pandemia de covid-19, a guerra na Ucrânia e as atuais incertezas comerciais e geopolíticas, com reflexo sobretudo nos preços dos materiais e energia.
O relatório independente dá conta de que o setor do fornecimento de material circulante ferroviário "opera com margens de lucro relativamente baixas, o que o torna altamente vulneráveis a flutuações nos preços", tendo estas margens variado entre os -1% e os 3% em 2023.
As empresas "estão presas numa situação em que os seus fornecedores lhes passam variações de custos, sem poderem elas passar os aumentos para os seus clientes sem comprometer a competitividade", alerta.
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