O Governo aprovou na quinta-feira, em Conselho de Ministros, um anteprojeto de "reforma profunda" da legislação laboral, que inclui rever "mais de uma centena de artigos do Código de Trabalho". Mas as alterações estão a dividir patrões, sindicatos e partidos.
A reforma, designada "Trabalho XXI", tem como intuito flexibilizar regimes laborais "que são muito rígidos" de modo a aumentar a "competitividade da economia e promover a produtividade das empresas", sublinhou ontem a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, acrescentando ainda que "valoriza os trabalhadores através do mérito", estimula o emprego, "em especial o emprego jovem", e dinamiza a negociação coletiva.
As medidas visam a alteração à lei da greve, nomeadamente no que toca aos serviços mínimos em setores essenciais, à possibilidade de compra de dias de férias, à possibilidade de os trabalhadores voltarem a poder escolher se querem receber os subsídios de férias e de Natal em duodécimos ou da forma tradicional, bem como a necessidade de simplificar vários regimes como o de parentalidade, teletrabalho, organização do tempo de trabalho, transmissão de estabelecimento, 'lay-off' e processo do trabalho.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social indicou ainda que estas alterações resultam "também" de "vários pedidos de intervenção" feitos pelos parceiros sociais em "várias matérias", bem como da "avaliação" que foi feita pelo Governo, que considera que o atual sistema é "excessivamente rígido e ancorado num modelo de relações de trabalho muito tradicionais, não abertas ao século XXI nem ao trabalho na era digital", dando também "cumprimento ao acordo tripartido de valorização salarial e crescimento económico 2025-2028 assinado em outubro.
O que se sabe?
No briefing que se seguiu ao Conselho de Ministros, a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho escusou-se a avançar que medidas estavam em causa. À noite, acabou por dar uma entrevista à SIC Notícias, onde rejeitou que as alterações propostas pendam a favor do empregador ou que sejam "um incentivo a despedir". Eis alguns dos detalhes que adiantou:
- Alteração à lei da greve: "O que vai deixar de poder acontecer é não serem decretados serviços mínimos numa área que a própria lei considere como necessidade social vital, e o transporte de passageiros é um caso desses. Portanto, têm de ser sempre determinados serviços mínimos", referiu a ministra na mesma entrevista, dando o exemplo da CP;
- Alterações nos contratos de trabalho a termo: "O que acontece agora é que a maioria dos contratos de trabalho a termo são a seis meses. Portanto, o grau de precariedade dos trabalhadores é muito grande. Ou então são sem termo, mas com um período experimental até seis meses, que é a mesma coisa. O que acontece é que o período inicial, que é o comum dos contratos a termo certo, deixa de ser seis meses para passar a ser um ano. Portanto, a precariedade diminui. Ficam mais tempo em contratos a termo e menos tempo no desemprego. Nenhuma empresa tem de ficar com um trabalhador a termo no final do contrato, portanto o que acontece aqui é que ele caduca mais tarde. Depois, o contrato pode ser renovado também durante mais tempo: era dois anos o prazo máximo e passa a três. No caso dos contratos a termo incerto, era quatro anos e passa a cinco";
- Fim das restrições ao outsourcing: a ministra defendeu tratar-se da "garantia de que o próprio regime dos despedimentos por razões económicas […] permita que esses despedimentos funcionem para aquilo que foram concebidos, que é salvar uma empresa através do seu downsizing";
- Alterações aos regimes de parentalidade: "Reforçamos a licença de parentalidade em dois meses, reforçamos a tutela da trabalhadora que teve uma situação de interrupção da gravidez, reforçamos a tutela dos jovens, reforçamos a tutela dos trabalhadores deficientes, promovemos a filiação sindical".
O Negócios, que teve acesso ao anteprojeto de proposta de lei que o Governo apresentou em Conselho de Ministros, avança que a "questão da compra de férias" é, afinal, a possibilidade de duas faltas não remuneradas por ano e detalha que as baixas automáticas fraudulentas podem vir a justificar um despedimento.
Sabe-se ainda que a proposta de reforma do Governo da legislação laboral inclui a inclusão da "área de cuidado a crianças e a pessoas doentes" ou com deficiência nos serviços mínimos.
Patrões aplaudem reforma laboral...
As confederações aplaudiram o anteprojeto de reforma da legislação laboral apresentado pelo Governo, referindo que "é uma boa base de negociação", enquanto as centrais sindicais consideram que "fragiliza os direitos dos trabalhadores".
À saída da reunião de concertação social, que decorreu da parte da tarde, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) elogiou o facto de o Governo ter optado por aprovar em Conselho de Ministros um anteprojeto de diploma ao invés de um decreto-lei, o que, segundo a confederação, demonstra uma "cultura democrática" e um "respeito" pelos parceiros sociais.
"Achamos que é uma boa base de trabalho", mas "tem margem de melhoria significativa", defendeu Armindo Monteiro, referindo que "ainda falta ser adaptado àquilo que é o século XXI" e sublinhando que "grande parte do contencioso é de matéria laboral".
"Muitas das medidas anunciadas corrigem o mal que tinha sido introduzido" com a Agenda do Trabalho Digno, afirmou, referindo-se às restrições ao 'outsourcing' após despedimento. Já sobre o banco de horas individual, Armindo Monteiro indica que tem ainda "algumas amarras", mas destaca como "positivo" a intenção de o repor.
Quanto às alterações aos serviços mínimos, segundo a CIP, a proposta do Governo não especifica uma percentagem fixa, mas a ideia é a de que "não haja arbitrariedade", dado que atualmente a sua definição é "vaga".
Neste âmbito, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social explicou que na proposta do Governo prevê a inclusão de uma nova área: "a área de cuidado a crianças e a pessoas doentes ou portadoras de deficiência", incluindo as que estão em cuidados continuados e confirmou que nesta área cabem também, por exemplo, as creches e os lares.
Também o presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) considerou que é "uma boa base de negociação" e tal como a CIP considera que vem "corrigir situações do passado".
"É muito importante que a legislação viesse para cima da mesa", indicou Francisco Calheiros, apontando que a proposta do Governo versa sobre "praticamente todas as áreas" e é "bastante abrangente", pelo que a CTP vai precisar de "alguma maturação" para propor contributos.
Segundo o presidente da CTP, entre as alterações estão propostas que visam o banco de horas individual e os contratos de férias para estudantes.
Também o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) referiu que o anteprojecto é "bastante alargado" e apelou à necessidade de encontrar "consensos mínimos" em sede de concertação social à luz da geometria parlamentar atual.
"É positivo que se aborde o tema. É um tema bastante denso e que tem implicações na paz social e, por isso, é importante que se encontre" consensos, reiterou João Vieira Lopes, frisando ainda, numa alusão à CGTP, que "a história tem demonstrado que uma das confederações dos sindicados" tem ficado de fora dos acordo em sede de concertação, mas que "vai haver um esforço" para que se alcance um acordo.
A par das restantes confederações empresariais, a CCP destacou como positivo a questão das restrições ao 'outsorcing' ao banco de horas individuais e medidas para as plataformas digitais.
...já as centrais sindicais foram mais críticas à proposta do Governo
Para o secretário-geral da União Geral de Trabalhadores (UGT), o documento tem algumas propostas que "fragilizam os direitos dos trabalhadores", pelo que a central sindical vai fazer uma "fazer reflexão com os seus sindicatos na próxima semana".
"Há ali muitas matérias que precisam de ser bem analisadas", sublinhou, referindo que a UGT vai dar "os seus contributos.
Mário Mourão reiterou ainda que considera que no "contexto atual", de crescimento económico e com a inflação a abrandar, a UGT não considera que esta fosse "uma matéria prioritária", defendendo que a prioridade deveria ser discutir a valorização social, dado que estamos "quase em vésperas de entrega do Orçamento de Estado" , bem como questões relacionadas com a habitação ou imigração.
Já o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP) considera que "estamos perante uma tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores".
Tiago Oliveira referiu ainda que esta proposta representa um "retrocesso" e defendeu que, ao contrário do que o Governo argumenta, as alterações não vão modernizar a lei laboral, mas uma "volta ao passado".
A CAP não prestou declarações aos jornalistas à saída da reunião.
Há já três reuniões agendadas sobre o tema para setembro, estando ainda previstas reuniões de trabalho bilaterais. Contudo, não existe, para já, um prazo para a conclusão das negociações em sede de concertação social.
E o que dizem os partidos?
O PS manifestou "profunda preocupação" com alterações que o Governo quer fazer à legislação laboral, alertando para os riscos do que considera um "recuo de mais de 10 anos" e um regresso "por convicção" da agenda da 'troika'.
"O Governo apresentou hoje um anteprojeto sobre alterações à legislação laboral, que vai agora discutir com os parceiros sociais. O PS vai esperar para conhecer o detalhe das propostas, vai acompanhar o processo de diálogo social que esperamos que se possa seguir. No entanto, não deixamos de sublinhar a profunda preocupação com aquilo que já é conhecido", disse o deputado do PS Miguel Cabrita aos jornalistas.
Por sua vez, Livre, PCP e PAN consideraram que a reforma laboral defendida pelo Governo vai aumentar a precarização e alertaram que podem estar em causa ataques a direitos dos trabalhadores, como o direito à greve ou ao descanso.
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