O presidente do Chega, André Ventura, reforçou, esta segunda-feira, que Portugal se debate com um problema de inversão demográfica, tendo alegado não ser possível encontrar “um André, um João, uma Maria” entre as listas de alunos de uma escola, no rescaldo da citação de nomes de menores imigrantes por deputados do Chega, no debate de sexta-feira, na Assembleia da República (AR). Os outros partidos, por seu turno, denunciaram o que consideraram ser “discurso de ódio”.
"Quando olhamos para os nomes numa escola e não conseguimos encontrar um André, um João, uma Maria, uma Joana, um Pedro, há um problema. Significa que está a haver uma inversão demográfica", disse André Ventura, na sua intervenção na apresentação dos candidatos autárquicos do Chega ao distrito de Coimbra.
O responsável foi mais longe, tendo confessado não entender porque é que não se podem dizer os nomes de crianças imigrantes no Parlamento.
"Ai, não se pode dizer nomes no Parlamento. Eu nunca os vi bem preocupados com os nomes das crianças, nem com as próprias crianças, quando em miseráveis e vergonhosos eventos LGBT os usavam para propaganda cultural daquilo em que acreditam e daquilo que tentaram destruir: as famílias e os valores das famílias", lançou.
E complementou: "Este país é muito engraçado. Se se apontam estes nomes para dizer que há um problema, temos que o corrigir, cai o Carmo e a Trindade, temos que lhes meter processos em tribunal, temos que os prender, isto tem que acabar, mas se os usarem para propaganda de Esquerda e para defender os valores de destruição que a Esquerda tem tido, então aí já se pode usar as crianças à vontade."
No domingo, o candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto pelo Partido Social Democrata (PSD) e ex-ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, confessou ter ficado "chocado com a falta de empatia" demonstrada pelos deputados do Chega e caracterizou a situação como “muito grave”.
"Fico chocado com a falta de empatia das pessoas e esta vertigem pelo populismo, pela demagogia que provavelmente fazem estas pessoas esquecer tudo aquilo que são valores e princípios, que eu continuou a acreditar que, no fundo, eles até professarão. Mas, de facto, não tem limites. Isto é absolutamente inaceitável, é inqualificável", disse, no espaço de comentário 'Princípio da Incerteza', da CNN Portugal.
A candidata do Partido Socialista (PS) à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, Alexandra Leitão, apontou, por seu turno, que o episódio ultrapassou "o que é aceitável numa democracia".
“O que aconteceu ontem [sexta-feira] na Assembleia da República não podia ter acontecido. O Chega usou nomes de crianças num debate político, ultrapassando o que é aceitável numa democracia. Instrumentalizar menores para alimentar o discurso de ódio é vergonhoso, desumano e perigoso”, escreveu, na rede social X (Twitter).
A socialista disse ainda estar “solidária com as famílias das crianças que viram o seu nome exposto”, ao mesmo tempo que considerou que “esta é a rampa deslizante que temos de inverter antes que seja tarde demais”.
Também a socialista Isabel Moreira se insurgiu contra o Chega, tendo defendido que “todas as crianças que tenham os nomes invocados estão mais inseguras”.
“É monstruoso. É crime de ódio, sim. E pactuar com o Chegar é uma escolha. Gostava de ver consequências na AR, gostava de ouvir o Presidente e gostava que a Justiça agisse”, escreveu, na rede social X.
A deputada justificou não ter “paciência para o debate sobre dados pessoais”, uma vez que “o vídeo da deputada do Chega [Rita Matias] e a intervenção de Ventura versam sobre nomes que nos remetem para uma zona do globo e não sobre estudantes de escolas inglesas ou francesas”.
Por sua vez, o Livre rejeitou aceitar “divisões” e argumentou que “um nome não é um rótulo”. “É o que nos aproxima uns dos outros, e nunca pode servir para o discurso de ódio. Portugal é de todas as pessoas. Com todos os nomes”, escreveu, no X.
Saliente-se que, durante o debate, a deputada Isabel Mendes Lopes emocionou-se com a leitura dos nomes das crianças visadas, tendo apelado ao “humanismo”.
No Parlamento e no recreio, no trabalho e na vida, o LIVRE não aceita divisões. Um nome não é um rótulo. É o que nos aproxima uns dos outros, e nunca pode servir para o discurso de ódio.
— LIVRE (@LIVREpt) July 4, 2025
Portugal é de todas as pessoas. Com todos os nomes.#PartidoLIVRE #LIVRENaAR #Parlamento pic.twitter.com/mTa3nUgWBK
Já o PAN denunciou que “seja em casa, nas ruas ou nas escolas, nem as crianças fogem ao preconceito e discurso de ódio do Chega”.
Seja em casa, nas ruas ou nas escolas, nem as crianças fogem ao preconceito e discurso de ódio do Chega. pic.twitter.com/0d4TaL1iDu
— PAN (@Partido_PAN) July 7, 2025
Por sua vez, a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, considerou também que “atacar quem veio para Portugal trabalhar é oportunismo, mas atacar as crianças é um ato de desumanização, que ataca a nossa Constituição e os seus valores”.
Atacar quem veio para Portugal trabalhar é oportunismo. Mas atacar as crianças é um ato de desumanização, que ataca a nossa Constituição e os seus valores. pic.twitter.com/4jLNqyGjxs
— mariana mortágua (@MRMortagua) July 4, 2025
O caso, que iniciou na rede social X, onde a deputada Rita Matias enumerou nomes de crianças que constavam numa “lista de alunos de uma escola portuguesa”, tomou outras proporções quando o líder do partido replicou a ação no Parlamento, o que levou ao repúdio por parte das bancadas da Esquerda.
"Estes senhores são zero portugueses e são culpa vossa que hoje as escolas sejam isto", atirou, na altura.
Recorde-se que as propostas de lei do Governo de alteração aos diplomas da nacionalidade e da imigração baixaram na sexta-feira à fase de especialidade sem serem votadas na generalidade, bem como projetos-lei do Chega sobre as mesmas matérias.
Os requerimentos apresentados pelo Governo e pelo partido Chega foram incluídos no guião de votações substituído, disponibilizado a meio da manhã - não constando da primeira versão de quinta-feira - e foram aprovados em plenário com votos contra do BE e do PCP.
A proposta de lei do Governo de alteração ao diploma da nacionalidade, que será agora discutida em comissão, quer aumentar o período de permanência em Portugal exigido para a obtenção da cidadania (de cinco para sete ou 10 anos, consoante se trate de cidadãos lusófonos ou não lusófonos).
O Governo prevê, ainda, a possibilidade da perda da nacionalidade para os naturalizados há menos de 10 anos e sejam condenados a pena de prisão efetiva igual ou superior a 5 anos pela prática de crimes graves. Quanto à atribuição de nacionalidade originária a descendentes de estrangeiros residentes em Portugal, passa a exigir-se a residência legal durante o período de três anos.
O projeto-lei do Chega, que também passou à especialidade, propõe "a perda da nacionalidade adquirida por naturalização ou quando tenham dupla nacionalidade, nos casos em que o indivíduo pratique atos que atentem gravemente contra a soberania, a segurança nacional ou os princípios essenciais do Estado de Direito".
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