"A anulação deste sorteio, já com resultados públicos e expectativas criadas, causou danos profundos, não apenas logísticos ou legais, mas humanos. Foram geradas angústias, crises emocionais e um sentimento de abandono. E entre os mais vulneráveis estão precisamente as crianças, estas crianças que pertencem às famílias sorteadas no concurso anulado", afirmou Ana Gaspar, uma das pessoas afetadas pela anulação do sorteio do 29.º concurso do Programa Renda Acessível (PRA).
A munícipe falava na reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, no período de intervenção aberto ao público, dirigindo-se à câmara e aos deputados municipais e referindo que as famílias lesadas sentem "a traição institucional a que todos assistem impávidos e serenos".
Na quarta-feira, a Câmara de Lisboa disse que contactou todos os 133 agregados familiares afetados pela anulação do sorteio de habitações municipais, tendo recebido, até ao momento, resposta de 19, em que "nenhum" apresentou documentação comprovativa de prejuízos.
Em causa está o sorteio do 29.º concurso do PRA, com 133 habitações, que foi realizado prematuramente no dia 16 de junho, após "uma falha técnica" devido a "erro humano", e que foi anulado "em menos de 24 horas", uma vez que não cumpriu a exigência de ser um ato público, de acordo com a diretora municipal da Habitação.
Na sequência da anulação, que invalida o resultado apurado no dia 16 de junho quanto à afetação de casas, o sorteio foi repetido no dia 27, abrangendo o mesmo universo de concorrentes, num total de 7.362 candidaturas.
Na assembleia, Ana Gaspar alertou que "isto não são estatísticas, [...] são vidas reais, são sobretudo crianças em risco", referindo que há famílias a viverem "em total vulnerabilidade", nomeadamente uma mãe com cancro da mama em tratamento de quimioterapia e "outra mãe sozinha que cuida de uma filha com deficiência grave, sem apoio, sem solução, sem habitação".
No final da intervenção, em declarações à agência Lusa, Ana Gaspar disse que há um grupo organizado de 25 pessoas afetadas pela anulação do sorteio de habitações municipais e que "há 10 dias" escreveram uma reclamação no Livro Amarelo da Câmara de Lisboa, tendo recebido como resposta, na segunda-feira, a convocação de reuniões individuais, a partir de quinta-feira.
A munícipe adiantou que as providências cautelares, que serão apresentadas por cada um dos lesados, com a previsão de serem pelo menos 24, no sentido de "denunciar a irregularidade do processo", ainda estão a ser preparadas.
Para Ana Gaspar, o sorteio que foi anulado "cumpriu à risca os critérios legais para os sorteados", mas a posição da câmara é que faltou a exigência de ser um ato público.
"Era certa a atribuição de uma casa onde ancorariam a sua vida e dos seus filhos. Não é preciso grande inteligência, apenas alguma decência para perceber o impacto devastador de uma decisão assim", expôs a cidadã, referindo que as famílias "foram justamente contempladas e, depois, deixadas para trás", inclusive com crianças.
"Que ponderação foi feita sobre a estabilidade destas crianças quando se decidiu anular um sorteio que vos é inteiramente imputável? Qual é a resposta a dar às famílias que legitimamente perspetivaram uma vida mais digna com uma habitação acessível?", questionou, considerando que a câmara deve assumir a responsabilidade perante estas famílias, criando uma alternativa compatível com as expectativas criadas.
A munícipe criticou ainda a posição assumida pela câmara, considerando que "dizer que foi um erro e pedir desculpa como quem tropeça na rua é, no mínimo, insultuoso".
Lembrando que foi prometido que haveria uma reavaliação caso a caso, Ana Gaspar disse que "até hoje nenhuma família foi contactada" e pediu uma reunião com o presidente da câmara.
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