O suspeito de matar de Mónica Silva - conhecida como a grávida da Murtosa, Fernando Valente, foi absolvido, esta terça-feira, de todos os crimes de que estava acusado, após ter sido feita a leitura do acórdão no Tribunal de Aveiro, assinalando assim o fim do julgamento, que começou a 19 de maio.
"Uma vergonha", ouvia-se à saída da leitura do acordão, pelos familiares de Mónica Silva
O advogado da família de Mónica Silva, António Falé de Carvalho, afirmou, em declarações ao jornalistas, que o tribunal só deu como provado o "telefonema para combinarem para ir para a Torreira, mas não se sabe para onde segundo o tribunal", acrescentando ainda que a família deverá interpor "recurso para a Relação".
"Esta é a primeira etapa. Eu sei que isto é complicado. A primeira etapa foi aqui, depois é a relação, depois é o Supremo e depois o Constitucional", disse.
O advogado disse ainda que a juíza considerou que Mónica Silva "está desaparecida" e que "não há certeza de que esteja morta". "Isto não é uma derrota, é um capítulo. É um passo".
De notar que Fernando Valente foi absolvido pelo tribunal de júri (constituído por três juízes e quatro jurados) de todos os crimes que lhe tinham sido imputados.
O arguido estava acusado de homicídio qualificado, aborto, profanação de cadáver, acesso ilegítimo e aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, relativamente a um conjunto de notas falsas pertencentes a vários "sets" de magia, que foram encontradas no apartamento da família de Fernando Valente.
O tribunal de júri julgou ainda improcedentes os pedidos de indemnização que tinham sido deduzidos pelos filhos menores da vítima e do viúvo.
Com esta absolvição, o tribunal declarou extinta a medida de coação de prisão domiciliária a que o arguido se encontrava sujeito, tendo o mesmo saído do palácio da justiça por uma porta lateral e entrado numa viatura da PSP.
Na leitura do acórdão, que durou mais de uma hora e meia, a juíza presidente disse que, da prova produzida, não resultou qualquer indício da verificação da morte de Mónica Silva, ainda que sustentada em provas indiretas.
A magistrada disse que ficou apenas demonstrado, de forma segura, o desaparecimento de Mónica Silva na manhã do dia 03 de outubro (de 2023), desconhecendo-se em absoluto o que sucedeu após a sua saída de casa.
"Nenhuma prova permite associar o arguido à morte de Mónica Silva na noite do desaparecimento, não tendo sido recolhidos factos que permitam ir além da previsibilidade da ocorrência de um encontro entre ambos", disse a juíza, adiantando que os dados de localização celulares são inconclusivos.
A juíza referiu ainda que eram exigíveis provas irrefutáveis, o que não aconteceu nos autos, face à factualidade não provada, nomeadamente para a atuação do arguido para a prática do crime e à alegada paternidade, quanto ao percurso utilizado e ao local da morte, bem como a realização de limpezas profundas para ocultar qualquer vestígio.
Quanto aos factos provados, a magistrada referiu que resultou demonstrado que o arguido envolveu-se sexualmente com a vítima pelo menos uma vez.
O tribunal deu ainda como provado que Fernando Valente adquiriu um cartão pré-pago que colocou num telemóvel antigo, para evitar a sua localização, tendo usado o mesmo para marcar um encontro com a vítima no dia 03 de outubro de 2023 e que, naquele dia, o telemóvel de Mónica ativou uma antena que abrange o apartamento do arguido na Torreira, onde a acusação diz que terá ocorrido o crime.
Foi ainda dado como provado que, nos dias seguintes, o arguido e o pai procederam a uma limpeza do apartamento e das escadas, usando um produto para limpeza e desinfeção de superfícies.
A juíza disse ainda que o tribunal de júri julgou improcedente as nulidades do meio de prova que tinham sido requeridas no início do julgamento.
Após a leitura do acórdão, viveram-se momentos de tensão à saída do tribunal com os familiares de Mónica Silva, que assistiram à leitura da sentença, a gritar que teriam de fazer justiça pelas próprias mãos.
O Ministério Público (MP) e o advogado assistente tinham pedido perante o tribunal de júri a pena máxima de 25 anos de cadeia para o arguido, enquanto que a defesa tinha pedido a sua absolvição.
O advogado António Falé de Carvalho, que representa os filhos menores de Mónica Silva e o viúvo, disse que o tribunal desvalorizou a grande maioria das provas indiretas e anunciou que a família da vítima deverá recorrer da absolvição de Fernando Valente.
"Ainda não tive oportunidade de falar (com a família), mas quase de certeza vai interpor recurso para a Relação (...). Isto na primeira instância teve este veredicto, mas não significa que na Relação seja o mesmo. Há imensos casos na jurisprudência portuguesa em que são absolvidos e são condenados na Relação", disse o causídico.
O julgamento realizado com tribunal de júri decorreu à porta fechada, por decisão da juíza titular do processo, para proteger a dignidade pessoal da vítima face aos demais intervenientes envolvidos, nomeadamente os seus filhos.
Durante o julgamento, o arguido negou as acusações, voltando a reafirmar a sua inocência na última sessão, após as alegações finais.
Fernando Valente foi detido pela Polícia Judiciária (PJ) em novembro de 2023, mais de um mês depois do desaparecimento da mulher, de 33 anos, que estava grávida com sete meses de gestação.
O MP acusou o arguido de ter matado a vítima e o feto que esta gerava, no dia 03 de outubro de 2023 à noite, no seu apartamento na Torreira, para evitar que lhe viesse a ser imputada a paternidade e beneficiassem do seu património.
A acusação referia ainda que durante a madrugada do dia 04 de outubro e nos dias seguintes o arguido ter-se-á desfeito do corpo da vítima, levando-o para parte incerta, escondendo-o e impedindo que fosse encontrado até hoje.
[Notícia atualizada às 13h06]
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