"As férias têm um impacto direto na saúde e na produtividade"

O Lifestyle ao Minuto falou com um especialista em psicologia do trabalho sobre a importância de 'desligarmos' nas férias, dicas para o fazer, e como criar uma transição suave para o regresso ao trabalho.

Férias, casal

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Sofia Robert
17/07/2025 08:50 ‧ há 5 horas por Sofia Robert

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Férias

Se tem dificuldade em delegar tarefas, não consegue deixar de consultar o email durante as férias, ou até faz chamadas de trabalho durante esse tempo, este artigo é para si.

 

Os períodos de descanso são essenciais para a saúde mental e para o bem-estar em geral e, por isso, devem ser respeitados.

O Lifestyle ao Minuto falou com Tiago Pimentel, psicólogo e diretor de operações do Grupo Integral SM, sobre a importância de 'desligarmos' completamente nas férias, dicas para o fazer, e como criar uma transição suave para o regresso ao trabalho.

Qual a importância do período de férias para a saúde, especialmente mental, e bem-estar dos trabalhadores?

As férias, além do que representam na perspectiva de 'time off' do contexto físico do local de trabalho, encerram em si uma série de benefícios que se refletem no indivíduo, nas suas relações e nos contextos aos quais pertence. Estes períodos de pausa ou desligamento das obrigações profissionais são fundamentais para o equilíbrio e bem-estar físico, mental e emocional. A sua importância vai muito mais além do simples descanso: as férias têm um impacto direto na saúde, na produtividade e também no próprio clima organizacional. Ajudam na ventilação da ansiedade e stress do dia a dia, podem criar oportunidades para novas rotinas ao nível da saúde física e mental e assim prevenir a escalada para quadros clínicos de exaustão e burnout.

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Diria que existe um limite mínimo de número de dias de férias seguidos para este período ser suficientemente reparador?

Mais do que um número mínimo de dias, diria que o segredo está no autoconhecimento que qualquer pessoa tem de desenvolver para ter noção de como este processo de desligamento e reparação de energia acontece consigo próprio. Muitas vezes este desligamento não se mede em número de dias, mas sim com a fusão de atividades ou estratégias que nos permitam a evasão pretendida das preocupações quotidianas. Contudo, há indicadores que apontam para que haja, pelo menos, um período contínuo de, no mínimo, dez dias consecutivos, até porque o efeito do desligamento ganha mais benefício quando se revela mais continuado. O corpo e a mente levam algum tempo a desacelerar e é preciso respeitar esse ritmo.

Qual a importância de 'desligar' completamente do trabalho durante as férias?

O desligamento efetivo do trabalho durante as férias é, no limite, um exercício de verdade e compromisso que cada um tem de fazer consigo. Se durante as férias mantiver hábitos de consulta de email, chamadas de controlo de algum tema ou outro hábito laboral, além de revelar insegurança, desorganização e falta de foco, coloca o indivíduo perante um cenário de autossabotagem do seu processo de restauro e regeneração, suposto numa genuína pausa para férias. O efetivo desligamento fortalece o respeito e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e demonstra, até mesmo perante si próprio, que a vida ultrapassa a esfera profissional e envolve tempo com a família, lazer e o autocuidado.

Para quem possa ter mais dificuldade em fazê-lo, que dicas pode dar para conseguir usufruir deste momento de descanso?

Uma das principais e melhores abordagens, para garantir o pleno desligamento, é planear a saída para férias com antecedência. Organizar as tarefas, automatizar processos, deixar instruções objetivas e delegar responsabilidades com clareza, em colegas de confiança, são algumas estratégias que contribuem para uma entrada de férias saudável e despreocupada. Para pessoas que tendem a sentir-se culpadas por descansar, é importante rever as crenças que associam a este momento, procurando ajuda a desenvolver a ideia de que uma mente descansada entrega mais valor ao trabalho e à vida no geral. As férias são um direito e uma necessidade para a saúde.

Essas dificuldades costumam ser proporcionais ao tipo de responsabilidades do cargo que se tem? Por exemplo, um gerente poderá ter maior dificuldade em 'desligar' do trabalho do que um colega que não tenha ninguém a seu cargo?

Não necessariamente. O desligamento varia de modo diretamente relacionado com o significado e espaço que cada um atribui ao trabalho, tarefas e responsabilidades inerentes. Contudo, existem cargos de liderança, que pela sua natureza e abrangência, implicam altos níveis de responsabilidade sobre estratégia, decisões e equipas que podem concorrer para uma maior dificuldade em desligar nas férias. Adicionalmente, perfis profissionais mais empreendedores com responsabilidades diretas sobre o negócio, a saída para férias implica muitas vezes perda de faturação, conduzindo a uma maior dificuldade em gerir o stress e consequentemente o desligamento. Cargos técnicos com alto grau de especialização são também perfis mais suscetíveis de ativação para temas de trabalho, durante o período de férias. Por outro lado, importa também referir que a cultura organizacional pode também contribuir para a capacidade de desligamento dos colaboradores. Ou seja, independentemente do cargo, uma cultura de trabalho tóxica que não respeite e incentive o descanso, leva a que os colaboradores receiem não acompanhar qualquer necessidade que possa surgir e por isso é-lhes difícil desligar.

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Esta ansiedade de se afastar da empresa, normalmente, está associada a que tipo de receios?

A ansiedade de se afastar do local de trabalho pode ser estruturada em receios ora conscientes, ora inconscientes, que podem variar de acordo com o cargo desempenhado, a cultura organizacional e as características individuais. Os receios mais frequentes concernem o medo de perda de controlo – comum em líderes responsáveis por decisões críticas para o negócio e alicerçada na crença de que ninguém fará o seu trabalho com igual rigor e entrega; o medo de ser substituído ou esquecido, típico de quem trabalha em ambientes competitivos ou em perfis mais inseguros, temendo que perante a sua ausência o seu valor percebido diminua; o medo de impacto na carreira – onde o colaborador teme prejudicar a sua imagem profissional e comprometer a sua progressão por se desconectar; o medo de ser culpado por algo que aconteça na sua ausência – habitual em ambientes com baixa cultura de responsabilidade partilhada; e, por fim, o medo da acumulação de tarefas no regresso – gerando ansiedade já antes de sair de férias. A ansiedade pode revelar medos profundos relacionados com a identidade, segurança e sentido de pertença no local de trabalho.

Existem dados que provem que esses receios têm fundamento?

Existem vários estudos e pesquisas em torno da relação entre o cumprimento do devido período de férias e a perceção criada em torno do colaborador, revelando que colaboradores que não tiram férias serão vistos como mais comprometidos, ou que não o fazem pelo medo do trabalho acumulado. Muitos dos receios têm fundamento em ambientes profissionais mal estruturados ou tóxicos e não devem, por isso, ser tornados em verdades absolutas. A chave está em educar as lideranças para a importância do descanso, garantir processos de transição e cobertura e promover uma cultura em que o colaborador não sinta que precisa de provar o seu valor estando sempre presente.

De que forma os cargos de chefia podem ajudar a atenuar estas ansiedades dos funcionários?

Os cargos de chefia têm um papel crucial na redução da ansiedade dos colaboradores em relação às férias. O modo como os líderes comunicam, planeiam e se comportam em relação ao descanso influencia diretamente a perceção, mais ou menos segura, que os colaboradores virão a sentir em usufruir do seu período de férias. Quando um líder se desconecta totalmente e confia na sua equipa, está a enviar uma mensagem poderosa de que se descansar é normal, necessário e não afeta negativamente a sua reputação. Adicionalmente, o líder pode também ajudar e contribuir para o planeamento e organização do plano de cobertura de responsabilidades perante uma ausência de férias, com a sua equipa, bem como alinhar previamente quais as situações claramente urgentes e inadiáveis e que podem ser objeto de contacto no período de férias. Chefias que lideram com empatia, organização e confiança ajudam a normalizar o descanso, diminuem a ansiedade dos colaboradores e constroem equipas mais saudáveis, sustentáveis e produtivas.

Para quem tem um negócio próprio, que não fecha durante nenhum dia do ano, quais as dicas que daria para conseguir aproveitar melhor as férias, sabendo que serão, quase obrigatoriamente, interrompidas várias vezes?

Esta é uma realidade muito comum entre empresários ou profissionais liberais, sobretudo em negócios que funcionam o ano inteiro ou não têm equipa suficiente para autonomizar as operações, contudo e apesar das férias poderem não ser completamente desligadas, não significa que o descanso de qualidade não seja possível. A melhor resposta a esta situação passará por redefinir o conceito de pausa, adotando, dentro do período de ausência, desconexões parciais e programadas que privilegiem o descanso, o lazer e o autocuidado. Ou ao contrário, estabelecer janelas temporais para fazer checkpoints breves dos temas mais relevantes, dando nota dos mesmos aos intervenientes que precisam de interagir consigo. Em vez de adotar um período de desligamento mais longo, encurte e divida-o em diferentes momentos, planeando o descanso como se fosse uma espécie de projeto. Do ponto de vista do pensamento, enquanto gestor, é importante que desenvolva um treino para a autonomia e delegação com confiança, onde o descanso seja visto como uma estratégia de longevidade. Líderes descansados tomam melhores decisões, são mais criativos, menos reativos e mais sustentáveis.

Notícias ao Minuto Tiago Pimentel, psicólogo© Tiago Pimentel

E que dicas daria sobre a dinâmica familiar em período de férias? Como é que os pais de filhos mais novos podem tentar descansar?

Férias com filhos pequenos podem ser altamente desafiadoras, mas com organização e expetativas realistas é possível, efetivamente, descansar. O primeiro passo será redefinir o que significa 'descansar': não será um desligamento total, pelo natural sentido de alerta que ter crianças a cargo envolve, mas sim momentos curtos e valiosos ao longo do dia. Criar uma rotina leve ajuda as crianças a manterem o equilíbrio e permite aos adultos organizarem melhor o tempo. Se houver mais do que um cuidador, a alternância de responsabilidade é fundamental – um assume os cuidados enquanto o outro descansa. Também aqui o planeamento pode fazer a diferença, na medida que optar por atividades seguras e semiautónomas em destinos que ofereçam estruturas para famílias, com espaços pensados para o lazer infantil, podem ser a resposta ideal para o efetivo descanso. O importante é entender que férias com filhos são mais sobre conexão do que sobre silêncio ou inatividade.

No caso de quem tem filhos, as rotinas alteram-se, e as crianças muitas vezes ficam mais agitadas. Como fazer a transição do período de trabalho/escola para férias, e vice-versa?

A transição entre o ritmo escolar e o período de férias pode ser exigente para pais e crianças. De repente, a estrutura do dia muda, os horários ficam mais flexíveis e isso pode gerar agitação, ansiedade e até resistência. Para amenizar essa mudança, é importante manter alguma previsibilidade, mesmo nas férias – como horários aproximados para refeições, atividades e descanso. Nos primeiros dias, é importante explorar com as crianças aquilo que muda e o que permanece, ajudando-as a sentirem segurança na nova rotina. Durante as férias, é importante oferecer opções de lazer, mas também momentos de pausa, para não sobrecarregar. No regresso às aulas, o ideal é retomar gradualmente os horários regulares alguns dias antes: acordar mais cedo, organizar o material escolar e relembrar os aspetos positivos da escola. Envolver a criança nesse processo e manter o tom positivo ajuda a tornar essas transições mais suaves e menos desgastantes para toda a família.

É possível existir uma espécie de estado depressivo pelo fim das férias e o regresso ao trabalho?

É possível, e até comum, existir uma espécie de quebra emocional no fim das férias, confundindo-se com um estado de depressão ligeiro, não sendo, contudo, considerado um quadro clínico. Pode envolver alguns sintomas como falta de motivação, irritabilidade, cansaço excessivo, dificuldade de concentração, tristeza ou desânimo nos dias que antecedem o regresso ao trabalho. Esta resposta emocional acontece porque, durante as férias, o corpo e a mente entram num ritmo mais leve, mais movido pelo prazer, liberdade e menor pressão. Ao voltar abruptamente à rotina, o contraste pode gerar alguma frustração e resistência emocional. O importante é perceber que essa fase costuma ser temporária, sendo recomendado o regresso gradual às rotinas, planeando uma semana de arranque de trabalho mais leve com pequenas fontes de prazer no dia a dia.

Como atenuar a transição?

Existem alguns cuidados que podemos adotar para atenuar esta transição. Nos últimos dias de férias, é útil retomar gradualmente os horários de sono e refeições, preparando o corpo e a mente para a rotina. Se possível, evitar voltar de viagem na véspera do trabalho e reservar um ou dois dias para reorganização, com calma. Planear um regresso mais leve, sem grandes reuniões ou entregas logo no primeiro dia, e aproveitar para alinhar prioridades. Manter pequenos momentos de prazer que remontem às férias – como uma caminhada, ou leitura de um livro – ajuda a suavizar o impacto emocional. Encarar o regresso como um novo começo, e não como fim de algo bom também muda a perspetiva. Falar sobre as férias com colegas pode reforçar laços e tornar o ambiente mais positivo. O essencial é dar tempo ao corpo e à mente para se readaptarem, com gentileza e realismo.

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No caso de férias fora da zona de residência, e sobretudo quando envolvem fusos horários diferentes, diria que é melhor haver um intervalo entre a viagem e o dia de regresso ao emprego? De quantos dias?

Sim. É altamente recomendável reservar pelo menos um ou dois dias entre o regresso da viagem e o retorno ao trabalho, especialmente após viagens longas ou com mudança de fuso horário. Esse intervalo ajuda o corpo a recuperar do cansaço, minimizar os efeitos do 'jet lag' e a reorganizar a rotina com mais tranquilidade.

Aquando do regresso ao trabalho, poderá existir uma sensação de sobrecarga, devido a todas as tarefas por fazer e emails para responder nos primeiros dias. Que dicas pode dar para esta fase não ser muito impactante e quase poder 'destruir' os benefícios das férias?

É comum que o regresso ao trabalho traga uma sensação de sobrecarga – especialmente ao deparar-se com uma caixa de entrada cheia, tarefas acumuladas e decisões pendentes. Para evitar que isso anule os benefícios das férias, o ideal é gerir esse retorno de forma estratégica e realista:

  • Reservar o primeiro dia só para reorganização – evitar marcar reuniões ou compromissos exigentes, ler e priorizar emails e organizar a agenda;
  • Fazer uma triagem inteligente da caixa de entrada – ler em bloco, arquivar o que não exige resposta e sinalizar o que é urgente. O foco é recuperar o controlo e não se esgotar a tentar resolver tudo no primeiro dia;
  • Atualizar temas com a equipa antes de agir – em vez de mergulhar nas tarefas logo no início, conversar com colegas ou líderes para perceber o que mudou e o que é realmente prioritário. Assim, evita-se retrabalho e desperdício de energia;
  • Manter algumas atividades relaxantes que remontem às férias – incluir pausas ou hábitos relaxantes que foram cultivados nas férias. Isto prolonga efeitos positivos e ajuda a gerir melhor a carga emocional do regresso ao trabalho.

Um regresso bem planeado e com expetativas realistas preserva os ganhos das férias e evita o desgaste precoce.

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