Em poucas semanas, três grávidas perderam os bebés nas regiões de Lisboa e de Leiria em situações que não serão alheias ao caos instalado no Serviço Nacional de Saúde (SNS), designadamente no que ao encerramento de urgências diz respeito - e não só.
O que aconteceu com estas grávidas?
O primeiro caso aconteceu a 22 de junho, com uma grávida de 40 semanas. Desde dia 10 de junho que a mulher de 37 anos ligava para o SNS24 com queixas de dores intensas e peso abdominal. Foi encaminhada para cinco hospitais desde a primeira queixa até ao dia do parto. No dia 21, o SNS 24 encaminhou-a para Cascais e foi apenas ao recusar-se a regressar a casa que seguiu para o Hospital de Santa Maria onde, no dia seguinte, o parto foi induzido.
Durante a cesariana, os médicos descobriram um hematoma grande do ligamento largo do útero, o que atrasou a extração do feto e levou a um episódio de baixa oxigenação do bebé. A menina nasceu com mais de quatro quilos, mas apresentava batimentos cardíacos baixos. Não resistiu.
O segundo caso passou-se com uma grávida de 31 semanas com residência no Barreiro, Setúbal. A mulher contactou o SNS24 por ter deixado de sentir o bebé. A linha encaminhou-a para o Hospital de Santa Maria, mas a grávida terá dito que não teria dinheiro para fazer a viagem. Uma situação para a qual o SNS24 não teve resposta. Acabou por ligar ao 112 e foram acionados os Bombeiros Voluntários do Barreiro que, no local, identificaram uma hemorragia interna.
Na Margem Sul, nenhuma urgência de obstetrícia estava a funcionar. A grávida foi, por isso, levada para o Hospital de Cascais, a mais de uma hora de distância. Durante o percurso, a mulher sofreu um deslocamento da placenta. Quando chegou ao hospital, o bebé já estava sem vida.
O caso mais recente aconteceu na manhã desta quinta-feira, em Leiria. A grávida de 26 semanas apresentava sangramento e contrações quando os Bombeiros da Nazaré chegaram ao local, vinte minutos depois de receberem o alerta. A mulher estava a ser levada para o Hospital de Leiria quando ocorreu o parto, a apenas 10 minutos da unidade hospitalar. Mãe e filho foram admitidos assim que chegaram, mas o recém-nascido acabou por morrer.
"A medicina ainda não consegue resolver tudo", diz ministra
Na quarta-feira, Ana Paula Martins disse lamentar o desfecho dos dois primeiros casos (os que eram conhecidos na altura), mas que "dificilmente seria evitado", dado que "a medicina ainda não consegue resolver tudo".
Em entrevista à SIC Notícias, a ministra da Saúde defendeu que a situação das urgências na Margem Sul melhorou muito este ano, mas que ainda está longe de ser perfeita. Mesmo assim, admite que não se deve normalizar haver urgências fechadas, mas pede tempo aos portugueses para retirar o SNS da crise que vive e reorganizar a rede de urgências.
Em ambos os casos das grávidas da Margem Sul, as entidades de saúde garantem que o acesso aos cuidados de saúde foram garantidos e que não houve deficiências nos atendimentos. Quanto à situação ocorrida em Leiria, o comandante dos Bombeiros da Nazaré, Mário Cerol, disse à Renascença "não identificar qualquer irregularidade no transporte da grávida nem das comunicações com o INEM."
Partidos pedem que Ana Paula Martins assuma responsabilidades
Entre as várias polémicas no SNS (desde falhas no INEM a contratações de helicópteros de emergência), os partidos da oposição exigem que Ana Paula Martins assuma responsabilidades, confrontando ainda o primeiro-ministro Luís Montenegro.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, afirmou que a ministra "tem de assumir responsabilidades sobre aquilo que se está a passar no SNS." O presidente do Chega afina pelo mesmo diapasão, defendendo que Ana Paula Martins tem de "assumir a sua quota parte de responsabilidade" relativamente às falhas que tem havido.
Já o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, exigiu respostas do primeiro-ministro, Luís Montenegro, sobre as urgências hospitalares na Área Metropolitana de Lisboa e em particular nas especialidades de pediatria, ortopedia e obstetrícia na península de Setúbal, tendo colocado perguntas que espera ver respondidas "nos próximos dias".
O recém-eleito líder socialista quer nomeadamente saber "se o Governo já tem ou não um plano de emergência para a gestão das urgências hospitalares para a Área Metropolitana de Lisboa, para Lisboa e Vale do Tejo", e por que razão é que a península de Setúbal até agora tem tido dias e semanas sem uma resposta condigna do ponto de vista da resposta particularmente à pediatria, à ortopedia e também à obstetrícia".
Por seu turno, o PCP acusou o Governo de estar deliberadamente a pôr em risco as mulheres grávidas, considerando que a "total ausência de medidas" na saúde gerou uma "situação de insegurança e desumanidade".
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