Há um mês, a grande maioria da população em todo o mundo deparava-se com uma notícia trágica. Diogo Jota e o irmão André Silva morreram num brutal acidente de viação na localidade de Zamora, em Espanha, quando seguiam em viagem.
Diogo Jota encontrava-se a caminho de Inglaterra e havia sido aconselhado a deslocar-se de automóvel (e só depois de ferry), em vez de avião, por motivos de saúde. Em função da mais recente intervenção cirúrgica ao pulmão a que foi submetido, já depois da conquista de Portugal na Liga das Nações, o ex-avançado do Liverpool recebeu indicação para não fazer a deslocação de avião, de forma a evitar a pressão da cabine, pelo que o plano passava por chegar a Santander, em Espanha, partindo num barco com destino a Portsmouth, num percurso de cerca de 30 horas.
O fatal acidente aconteceu na A-52, na zona de Zamora, a cerca de 350 quilómetros desse local, na sequência de um despiste que terá sido causado pelo rebentamento de um pneu, enquanto era realizada uma ultrapassagem, seguindo-se um incêndio. Os últimos resultados da investigação da Guarda Civil espanhola apontaram ainda para um possível excesso de velocidade.
O funeral aconteceu no passado dia 5 de julho, em Gondomar, num momento que atraiu muitas personalidades ligadas ao mundo do desporto, desde os plantéis de Liverpool e Penafiel (onde jogavam Diogo Jota e André Silva, respetivamente) a diversos internacionais portugueses. As homenagens multiplicaram-se desde então e, há sensivelmente duas semanas, o conjunto liderado por Arne Slot não esqueceu o antigo jogador, num jogo particular frente ao Preston North End, com momentos arrepiantes.
Um mês depois desta tragédia, o Desporto ao Minuto decidiu partir para a conversa com João Lameiras, psicólogo do desporto em Portugal há mais de 15 anos, para analisar o que foi o impacto mental não só nos jogadores do Liverpool, onde alinhava Diogo Jota, mas também do Penafiel, onde alinhava André Silva.
As duas equipas entram em ação de forma oficial nos próximos dias. O Liverpool defronta o Crystal Palace dentro de uma semana, para a Supertaça Inglesa, ao passo que o Penafiel vai defrontar o Portimonense no arranque da II Liga a 9 de agosto. João Lameiras explicou que é fundamental estabilizar psicologicamente os jogadores antes da estreia.
"Perante uma perda tão impactante, nestas situações a prioridade passa pela criação imediata de um espaço seguro onde os atletas possam expressar livremente as suas emoções, sejam elas tristeza, raiva, revolta, ansiedade e até mesmo negação. As manifestações do luto são tão diversas quanto as pessoas que o experienciam, cada pessoa processa o luto de forma diferente e todas as reações são válidas, sendo fundamental respeitar e validar a forma como cada pessoa lida com a sua dor, sem fazer julgamentos. É crucial que o apoio psicológico seja visível e acessível desde o primeiro momento, numa perspetiva de suporte à equipa (como, por exemplo, momentos de partilha com a equipa para facilitar esta expressão emocional, assim como para reforçar o apoio mútuo dentro do grupo) e na possibilidade de apoio psicológico individual com os jogadores que manifestem maiores dificuldades ou necessidade de acompanhamento mais próximo. O foco é a estabilização emocional antes de qualquer exigência desportiva", frisou o psicólogo do desporto, salientado que este trabalho mental deve prosseguir ao longo de toda a temporada, durante a qual vão surgir momentos de homenagem aos dois atletas.
"A repetição de homenagens, apesar de bem-intencionadas e importantes para honrar a sua memória, pode funcionar como gatilho emocional, trazendo repetidamente à consciência sentimentos dolorosos e, consequentemente, dificultar o processo natural de luto e adaptação. Assim, é crucial que os jogadores sejam acompanhados ao longo da época, desenvolvendo estratégias específicas que permitam vivenciar esses momentos com respeito e homenagem, mas sem comprometer excessivamente a sua estabilidade emocional ou desempenho. A chave é encontrar um equilíbrio entre a homenagem e a continuidade da atividade desportiva, sendo que não nos podemos esquecer que a equipa por detrás da equipa, isto é, todo o staff que suporta os jogadores, também experiencia estas emoções e deve ser igualmente apoiada devido aos fortes laços que se criam diariamente. A ausência do jogador deixou um vazio na equipa. Pode haver uma sensação de que algo se perdeu, uma parte da identidade do grupo", prosseguiu.
Um dos momentos que mais deu que falar no momento das cerimónias fúnebres de Diogo Jota e de André Silva foi a ausência de Luis Díaz, entretanto transferido para o Bayern. O avançado não se juntou à comitiva do Liverpool que se deslocou a Portugal. A longa viagem desde a Colômbia, onde o ex-FC Porto se encontrava, para Lisboa terá sido o motivo, mas os adeptos não esconderam a revolta.
João Lameiras admitiu que o sul-americano possa ter ficado afetado, "especialmente devido à exposição pública e ao julgamento por parte de adeptos e da opinião pública."
"Cada pessoa tem formas diferentes de lidar com a perda e a dor e impor um padrão emocional e comportamental pode ser prejudicial. Algumas podem optar por se isolar, enquanto outras procuram manter rotinas sociais e atividades que tragam alguma normalidade ou distração. Críticas externas podem agravar sentimentos como culpa, ansiedade ou até isolamento emocional e nestas situações devemos ajudar o atleta a compreender e gerir essas reações. A empatia e o acolhimento são cruciais nestes casos", referiu o psicólogo do desporto.
João Lameiras salientou também que é fundamental um acompanhamento psicológico mais constante ao longo desta época para os jogadores de Liverpool e Penafiel, sob pena de aparecerem outros sintomas psicológicos.
"Após uma perda traumática o risco de desenvolver sintomas psicológicos (ex. ansiedade, depressão, ou stress pós-traumático) aumenta. Os atletas podem sentir uma profunda injustiça com a situação, questionando o sentido da vida e do desporto. Inicialmente, a equipa pode entrar em estado de choque, o que afeta o foco e a concentração. O desempenho em treinos e jogos pode ser drasticamente comprometido. A sensação de 'clima pesado' no balneário é comum. O acompanhamento psicológico - que deve atuar numa lógica preventiva e contínua - deve ser feito através de sessões individuais regulares com um psicólogo, avaliações psicológicas periódicas, da promoção de espaços de escuta e de uma cultura de comunicação contínua. O objetivo é proteger a saúde mental sem esperar que surjam sinais graves, garantindo suporte emocional permanente e um contexto seguro que fomente a busca precoce por ajuda em casos de maior fragilidade ou sofrimento psicológico", sustentou o terapeuta.
João Lameiras, que leva mais de 15 anos como psicólogo do desporto em Portugal, frisou que saúde mental é cada vez mais importante na atividade desportiva, sustentando que o "o rendimento desportivo não depende só do corpo, mas também da mente".
"A saúde mental é uma condição indispensável e uma alavanca para a performance. Atualmente, em particular o desporto de alto rendimento, já reconhece que preparar a mente é tão vital como treinar o corpo, que não há performance de excelência sem equilíbrio emocional. Este contexto implica pressão constante, e cuidar da saúde mental ajuda os atletas a lidar com essas exigências. À semelhança de outras competências, tais como as físicas e técnicas, as competências psicológicas e emocionais também são treináveis e são parte indispensável da preparação desportiva. No fundo, a perda de um jogador é um lembrete doloroso de que, acima de tudo, o desporto é feito de pessoas. A forma como o clube e a equipa lidam com a situação demonstra o verdadeiro valor dos laços humanos no mundo desportivo", concluiu.
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