Dois irmãos que são adversários na corrida à câmara de Aveiro, um candidato que passou da CDU para o Chega ou uma "chuva" de novas no Porto são alguns dos casos insólitos da pré-campanha autárquica.
As eleições autárquicas estão marcadas para 12 de outubro.
Autarcas eleitos por partidos passam a candidatos independentes
Em Mafra, no distrito de Lisboa, a corrida eleitoral começou ainda em novembro de 2024 com o presidente da câmara (no cargo desde junho de 2024) e da concelhia do PSD, Hugo Moreira Luís, a anunciar que era candidato à presidência da autarquia pelo partido.
Contudo, divergências internas e mudanças na comissão política concelhia, que passou a ser presidida por José Bizarro, culminaram na escolha deste novo dirigente como cabeça de lista 'laranja'.
Descontente com a mudança de rumo dos sociais-democratas, que entretanto lhe retiraram a confiança política na gestão autárquica, Hugo Moreira Luís não desistiu e, em junho, apresentou-se como candidato independente, dividindo o eleitorado fiel ao PSD.
Já no vizinho concelho de Alenquer, a impossibilidade de Pedro Folgado (PS) se recandidatar por ter atingido o limite de mandatos aguçou o interesse pela corrida eleitoral.
O seu vice-presidente no executivo, Tiago Pedro, decidiu avançar enquanto independente contra o socialista João Nicolau, acabando afastado do cargo e dos pelouros atribuídos, e dividindo o eleitorado socialista.
Número dois de Montenegro é número um de Menezes em Gaia
O ex-líder do PSD e ex-presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia Luís Filipe Menezes quer regressar à autarquia, 12 anos depois, e tem como cabeça de lista à assembleia municipal o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel.
Natural de Gaia, o número dois do Governo de Luís Montenegro e ministro de Estado afirmou, na apresentação da candidatura: "Há momentos em que somos chamados a voltar às origens, mesmo quando nunca saímos delas. Em que somos chamados a voltar ao lugar onde sempre estivemos. Este ato de voltar ao ponto no ao qual sempre estivemos é uma decisão de enorme alcance, de enorme exigência e, diria, sem poupar nas palavras, é um ato de enorme coragem."
Considerando que "muitos julgarão" que estaria a falar de si próprio, e admitindo que tal também se lhe aplica a si, Rangel frisou a ideia se aplica mais a Luís Filipe Menezes (presidente entre 1997 e 2013), que "está a voltar ao território de onde nunca saiu e onde sempre esteve".
As dores do PSD em Setúbal
A candidatura de Dores Meira, ex-presidente comunista da Câmara de Setúbal que concorre como independente em outubro, dividiu as estruturas nacional do PSD, que lhe declarou apoio, e concelhia, que defende "uma candidatura própria e autónoma".
Dores Meira foi presidente da Câmara de Setúbal, eleita pela CDU, entre 2009 e 2021, ano em que se candidatou -- e perdeu - em Almada. Tenta o regresso à capital de distrito depois de se desfiliar do PCP, deixando André Martins (PEV), seu ex-vice-presidente e atual líder do executivo, como candidato da coligação da esquerda.
Após meses de tensão, a concelhia do PSD divulgou em junho que não iria apoiar ou integrar as suas listas, uma decisão aprovada localmente por unanimidade, mas em julho a Comissão Política Nacional declarou o apoio à cabeça de lista.
Alcácer do Sal: Da CDU para o Chega
Para a Câmara Municipal de Alcácer do Sal, no distrito de Setúbal, o Chega candidata Virgílio Silva, 61 anos, que já foi eleito como independente pela CDU (coligação PCP/PEV) para a presidência da Junta de Freguesia do Torrão nas eleições autárquicas de 2013.
O candidato, técnico superior no Arquivo Municipal de Alcácer do Sal e militante do Chega desde 2021, cumpriu um mandato de quatro anos, entre 2013 e 2017, como presidente eleito pela CDU naquela freguesia do interior do concelho, tendo voltado a candidatar-se, em 2017, pela mesma força política, mas não foi eleito.
Câmara de Aveiro: Souto vs Souto
Em Aveiro, há dois irmãos que estão a protagonizar uma disputa inusitada pela presidência da do município, liderado há 20 anos por uma maioria de direita.
Alberto Souto Miranda, que liderou o executivo concelhio entre 1998 e 2005, e foi secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, é a aposta do PS para recuperar a autarquia perdida para a direita.
O seu principal opositor é o seu irmão Luís Souto Miranda, atual presidente da assembleia municipal, eleito pelo PSD, que foi escolhido pelo presidente do partido, Luís Montenegro para encabeçar a lista da "Aliança Mais Aveiro" (PSD, CDS e PPM).
Albuquerque troca candidato em São Vicente
O PSD/Madeira foi primeiro a anunciar os candidatos aos 11 concelhos da região autónoma, alguns dos quais foram já substituídos, caso de São Vicente, onde o cabeça de lista inicialmente indicado foi o atual vice-presidente do município, Deodato Moniz.
O seu nome foi confirmado em reunião da comissão política regional do PSD e o candidato até subiu ao palco na festa anual do partido, no Chão da Lagoa, realizada em julho, na apresentação dos cabeças de lista às autárquicas de 12 de outubro pelo líder social-democrata madeirense, Miguel Albuquerque.
Mas, após terem surgido algumas vozes dissonantes no concelho, e depois de o social-democrata António Gonçalves ter vindo a público anunciar que iria encabeçar uma candidatura independente, dando voz a essa discordância, o nome deste militante foi anunciado como o cabeça de lista do PSD. Deodato Moniz invocou motivos pessoais para desistir da corrida eleitoral.
Quarenta anos após estreia de Isaltino, PSD apoia ex-militante
Vinte anos após a desfiliação do PSD, pelo qual tinha já sido presidente da Câmara de Oeiras, o independente Isaltino Morais viu em julho o partido declarar apoio à sua terceira candidatura consecutiva no município, a última permitida por lei.
Isaltino presidiu pela primeira vez ao concelho vizinho da capital há 40 anos, em 1985, eleito pelas listas sociais-democratas, e, ainda sem a atual lei de limitação de mandatos, manteve a conquista 'laranja' até às autárquicas de 2001, num mandato que interrompeu para integrar o Governo PSD/CDS-PP.
Em 2005, arguido num processo judicial e sem o apoio do partido então liderado por Marques Mendes, voltou a vencer no município, como independente. Quatro anos depois cumpriu uma pena de prisão, mas em 2017 -- após ter confirmado que foi convidado pelo PSD para integrar as listas do partido, o que recusou - recandidatou-se.
O autarca, que governa com maioria absoluta e atribuiu pelouros ao PSD e ao PS, considera que "todo o apoio é bem-vindo".
Candidato à câmara do Porto faz 'chover' notas sobre apoiantes
A 07 de junho, durante a apresentação da candidatura de Aníbal Pinto pela Nova Direita à Câmara do Porto, dezenas de notas de cinco euros foram lançadas, a partir de um drone, sobre os apoiantes.
Questionado sobre a largada das notas, Aníbal Pinto explicou que "a maior felicidade é contribuir para a felicidade das pessoas" e que, em vez de fazer o anúncio da candidatura num hotel, a sua equipa decidiu que "parte do orçamento da campanha vai reverter sempre a favor dos apoiantes e dos portuenses".
A situação originou uma queixa anónima à Comissão Nacional de Eleições, que a remeteu para o Ministério Público, uma vez que a largada de notas ocorreu quando as eleições ainda não tinham sido marcadas, logo fora do período de campanha eleitoral.
'Dinossauro' vira independente em bastião comunista de Serpa
No concelho de Serpa, o último bastião comunista do distrito de Beja, com cinco candidaturas anunciadas, o antigo presidente João Rocha, que liderou a câmara pela CDU durante mais de 30 anos, concorre por um movimento independente, enquanto o ex-deputado João Dias encabeça a candidatura da coligação PCP/PEV.
Considerado um 'dinossauro' do poder local, João Rocha, 74 anos, liderou municípios durante cerca de 37 anos, sempre em coligações lideradas pelo PCP, tendo presidido às câmaras de Serpa (1979 a 2012, quando suspendeu o seu nono mandato consecutivo) e de Beja, eleito em 2013 (cumpriu apenas um mandato).
Serpa, atualmente liderada pelo comunista João Efigénio Palma, no seu primeiro mandato, mas não se recandidata, é o único município do distrito de Beja que teve sempre maiorias de coligações lideradas pelo PCP desde as primeiras eleições autárquicas, em 1976.
Tensão no PS de Gondomar
O ex-presidente da Câmara de Gondomar e ex-líder da concelhia do PS Marco Martins retirou o apoio à candidatura do atual presidente Luís Filipe Araújo, que o substituiu em janeiro após sair para a Transportes Metropolitanos do Porto.
Marco Martins acusou o sucessor de ter alterado a forma como lidava com ele, "cortando com o passado, marginalizando pessoas e travando projetos que estavam em curso".
O ex-autarca revelou ter-se disponibilizado, a pedido do presidente substituto e de militantes, para ser cabeça de lista à assembleia municipal, uma situação que se alterou com a "recusa" de Luís Filipe Araújo.
A corrida às autárquicas em Gondomar conta ainda com o ex-vereador e ex-deputado do PS Carlos Brás, que, após ter falhado a reeleição nas legislativas de maio, anunciou uma candidatura como independente.
Alvito: PS + PCP = independente
Em Alvito, no distrito de Beja, uma das cinco candidaturas já anunciadas à câmara municipal, atualmente governada pelo PS, é a de um movimento independente liderado por dois atuais presidentes de juntas de freguesia do concelho, um socialista e outro comunista.
O Movimento Independente do Concelho de Alvito (MICA) tem como cabeça de lista ao município Dinis Pinto, 69 anos, presidente da Junta de Freguesia de Alvito desde 2013, sempre eleito pela CDU e que está a cumprir o terceiro e último mandato nesse cargo.
Em segundo lugar na lista à câmara surge Agostinho Mira, de 71 anos, que lidera a Junta de Freguesia de Vila Nova da Baronia também há três mandatos, desde 2013, eleito pelo PS.
Dinis Pinto explicou à agência Lusa que a decisão de criar o MICA surgiu depois de os dois autarcas não terem sido convidados pelos respetivos partidos, dos quais já se desfiliaram, para as listas destas autárquicas: "Eles acham que já estamos velhos para a política, mas nós entendemos que ainda podemos dar mais uma 'corrida', onde o povo decidirá".
Lutas internas e acusação a Montenegro marcam pré-campanha em Espinho
A campanha eleitoral em Espinho, município do distrito de Aveiro e Área Metropolitana do Porto, está a ser marcada por lutas internas dentro das estruturas de PSD e PS, que são os únicos partidos com representação no executivo.
O primeiro problema surgiu no PS, quando o partido optou por propor o vereador Luís Canelas como cabeça de lista em vez da atual presidente Maria Manuel Cruz, que estava no poder desde 2023, na sequência da renúncia de Miguel Reis no âmbito da Operação Vórtex. A autarca retirou então a confiança política àquele que até aí era o seu vice-presidente, desvinculou-se do PS e anunciou a candidatura como independente.
Canelas viu a votação que o indicou como cabeça de lista contestada por oponentes internos, o que levou a Comissão de Jurisdição Distrital socialista a anular o procedimento, e saiu reforçado de uma nova votação.
Quanto ao PSD, a candidatura de Ricardo Sousa foi aprovada localmente em novembro de 2024, por unanimidade, mas em fevereiro o coordenador autárquico nacional dos sociais-democratas fez saber que a direção do partido ia avocar o processo, isto é, chamar a si a decisão, sobrepondo-se à escolha dos militantes da concelhia.
Em julho o PSD nacional mandou a distrital comunicar que o cabeça de lista de Espinho seria afinal Jorge Ratola, ex-vice-presidente do município de Aveiro, então adjunto do primeiro-ministro e agora seu assessor, pelo que Ricardo Sousa pediu a impugnação dessa deliberação, apoiado por mais de 110 militantes e atribuindo o afastamento a "um ajuste de contas pessoal" de Luís Montenegro.
O Conselho de Jurisdição Nacional não lhe deu razão, pelo que Ricardo Sousa fez queixa ao Tribunal Constitucional e interpôs uma providência cautelar para travar o processo até decisão judicial final.
CCDR mantém vice-presidente que é candidato do PS no Porto
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Norte vai manter em funções o seu vice-presidente para a Cultura, Jorge Sobrado, após o responsável ter integrado as listas da candidatura de Manuel Pizarro (PS) à Câmara do Porto.
O presidente da instituição, António Cunha, considerou que "não se verificam, nesta fase, quaisquer incompatibilidades entre as funções que atualmente desempenha e o novo enquadramento político que assumiu".
Jorge Sobrado, responsável pelo pelouro da Cultura num possível executivo socialista na câmara do Porto, já afirmou ter colocado o seu cargo na entidade regional "à disposição" do presidente António Cunha.
Agressões entre candidaturas no Porto
A 13 de junho, o candidato independente à Câmara do Porto Filipe Araújo apresentou queixa na PSP após alegadamente ter sido agredido pelo à data responsável pela comunicação da candidatura do PSD/CDS-PP/IL, Vasco Ribeiro, entre concertos no festival Primavera Sound.
Vasco Ribeiro, que foi também chefe de gabinete de Rui Moreira (de saída da presidência municipal), disse ter havido insultos e empurrões de parte a parte e apresentou demissão da candidatura encabeçada pelo ex-ministro dos Assuntos Parlamentares Pedro Duarte.
O cabeça de lista da coligação aceitou a demissão do seu diretor de campanha classificando a atitude como indefensável.
Governo acusado de usar Conselho de Ministros para propaganda no Porto
Ainda na anterior legislatura, em abril, o Governo PSD/CDS-PP foi acusado de usar os interesses do Estado para propaganda partidária ao realizar um Conselho de Ministros no Mercado do Bolhão, no Porto.
A reunião do executivo nacional ocorreu no mesmo dia em que o então ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, anunciou a sua candidatura àquele município num artigo de opinião no JN, marcando depois presença no mercado para o Conselho de Ministros.
O BE do Porto considerou tratar-se de uma "escandalosa ação de propaganda política, nacional e autárquica", e uma "provocação descarada" do PSD. O PS acusou o antigo Governo de "instrumentalização do Estado ao serviço" dos interesses dos partidos e de "promiscuidade entre o que é privado, público e partidário", referindo que o executivo estava a fazer "campanha para o PSD".
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