Os últimos dias ficam marcados pelo desembarque, na Praia de Boca do Rio, no concelho de Vila Nova do Bispo, de 38 migrantes, que terão agora de deixar o país. A viagem, desde Marrocos, terá durando cinco dias e, durante o percurso, quatro pessoas terão morrido, segundo relatou uma das migrantes a um empresário que acompanhou a chegada destas pessoas numa embarcação de madeira ao Algarve.
Em declarações ao Observador, Paulo Lourenço, empresário do ramo turístico, detalhou o momento em que a embarcação se aproximou da costa, na sexta-feira, tendo sido o primeiro a contactar com os migrantes.
"Falei com uma família que tinha uma criança de um ano. Disseram que vinham de Marrocos. Pediram-me água e tabaco. E também comida. Estava um casal na praia que lhes deu comida", disse o homem ao jornal online, acrescentando que os migrantes lhe adiantaram que a viagem terá durado cinco dias e que uma mulher lhe disse que quatro pessoas tinham morrido durante o percurso - uma informação que não foi confirmada pelas autoridades.
Depois de chegarem a terra, os migrantes aguardaram a chegada das autoridades, não tendo manifestado qualquer intenção de fugir. "Chegaram ao estacionamento da praia, sentaram-se e ficaram à espera de ajuda", contou o empresário, explicando ainda que traziam telemóveis, mantimentos e mochilas com alguma comida.
"Não há pedido de asilo. Afastamento vai acontecer"
Ontem, já ao final do dia, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, falou sobre a rápida atuação das autoridades, nomeadamente dos "tribunais que decidiram rapidamente e concluíram pela ordem de afastamento do território nacional". "É isso que vai acontecer", apontou o governante, a partir de Olhão.
Questionado se não houve pedidos de asilo apresentados pelos migrantes detidos, Leitão Amaro respondeu que "neste momento não há pedido de asilo e não vale a pena especular sobre o assunto e sobre o destino".
"O que eu acho que é importante os portugueses sentirem e perceberem é isto: Portugal tem uma costa grande, apesar de estarmos vulneráveis, as autoridades portuguesas reagiram, depressa e de forma eficaz", disse.
Interrogado sobre o destino imediato destes migrantes, Leitão Amaro respondeu que vão ficar "sob custódia das autoridades" e "detidas num regime de centro de instalação temporária ou equiparado" até que sejam afastadas do território nacional.
Os migrantes com ordem de afastamento vão agora ficar temporariamente no pavilhão desportivo preparado pela Proteção Civil para o efeito, enquanto se encontram outras soluções em centros temporários ou equiparados.
Questionado sobre o tempo que pode demorar este processo, Leitão Amaro disse não ter ainda uma resposta e lembrou que o Governo fez no ano passado um pedido ao Parlamento para "permitir agilizar o regime de retorno".
"Na altura, a maioria da oposição chumbou esse pedido", recordou, antecipando alguma demora mas prometendo "acelerar estes procedimentos o mais rápido possível, respeitando o direito e as regras e a dignidade das pessoas, mas fazendo cumprir as leis portuguesas".
Ainda há pessoas que não foram ouvidas por estarem hospitalizadas ou a acompanhar filhos menores
Antes das declarações do ministro, tinha sido conhecido que o Tribunal decidiu instalar os migrantes num centro de instalação temporária, até estar concluído o processo de retorno ao seu país, que poderá ser feito de forma voluntária ou coerciva.
O juiz de turno do Tribunal de Silves validou as 31 detenções por imigração ilegal, segundo adiantou o o major Ilídio Barreiros, da Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras da GNR, em declarações à RTP, referindo que as restantes sete pessoas, que também viajavam no barco, ainda não foram ouvidas pelas autoridades porque estão hospitalizadas ou a acompanhar os filhos menores.
"Ainda temos migrantes hospitalizados. Vamos identificá-los para depois formalizar o processo de detenção por entrada ilegal em território nacional", afirmou, explicando que também irão a tribunal dentro do prazo legal das 48 horas, mas que primeiro é preciso salvaguardar a sua saúde.
O major recordou que estes migrantes estão bastante fragilizados, reforçando o que já tinha dito anteriormente, quando alertou para o "estado débil, situação de desidratação e estado de hipotermia" que denunciava que estas crianças e adultos teriam estado "alguns dias" expostos a condições meteorológicas adversas.
As autoridades portuguesas garantem que irão dar prioridade "à proteção e assistência destas pessoas", levando-as para "um sítio que tenha dignidade", acrescentou o responsável da GNR.
O Serviço de Proteção Civil da Câmara Municipal de Vila do Bispo disponibilizou um pavilhão desportivo, em Sagres, que o major garante ter "condições muito boas criadas num espaço de tempo muito reduzido".
No pavilhão, os migrantes podem tomar banho, tendo-lhes já sido servidas refeições, acrescentou.
Ilídio Barreiros lembrou ainda que o processo de afastamento coercivo tem um prazo legal de 60 dias que vai começar a ser tratado pela Agência para a Integração, Migraçoes e Asilo (AIMA), que tem esta responsabilidade administrativa até 21 de agosto.
Caso os processos de afastamento não estejam concluídos, o caso passará então para as mãos da Polícia de Segurança Pública (PSP), que irá assumir as suas novas competências administrativas no que ao retorno e afastamento diz respeito.
Os 25 homens, seis mulheres e sete menores, com idades entre os 12 meses e os 44 anos, irão assim permanecer no centro de acolhimento temporário até conclusão do processo.
Os migrantes que desembarcaram na praia são todos marroquinos e entraram ilegalmente no espaço Schengen.
Recorde-se que, tal como confirmou a GNR, o alerta foi dado por um popular, por volta das 20h10, quando o barco, em madeira, se aproximou da costa portuguesa, junto à Praia da Boca do Rio.
A embarcação foi alvo de uma inspeção judiciária por parte Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento de Controlo Costeiro de Olhão e, posteriormente, rebocada para Porto, pela Secção de Patrulhamento Marítimo do Destacamento de Controlo Costeiro de Sines.
Esta ação do Comando Territorial de Faro contou ainda com o reforço de outras unidades da GNR, designadamente do Comando Territorial de Beja e da Unidade de Intervenção (UI). Estiveram também presentes, além da GNR e INEM, operacionais da Proteção Civil e dos Bombeiros Voluntários de Vila do Bispo e Lagos.
Além disso, a articulação operacional para encaminhamento dos migrantes foi ainda coordenada com o SSI - Sistema de Segurança Interna / UCFE - Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros, com a AIMA e com a PSP.
Em seis anos, 140 migrantes desembarcaram na costa do Algarve
Sabe-se que pelo menos 140 migrantes desembarcaram na costa do Algarve ao longo dos últimos seis anos, segundo uma contabilidade feita pela Lusa a partir das notícias publicadas desde 2019.
O primeiro caso de um barco com imigrantes na costa portuguesa aconteceu há quase duas décadas, em dezembro de 2007: um grupo de 19 migrantes alegadamente provenientes de Marrocos desembarcou na ria Formosa, junto a Olhão.
Os anos de 2019 e 2020 foram aqueles em que mais migrantes chegaram por barco no Algarve.
Na sua maioria, os migrantes chegados ao Algarve nos últimos seis anos foram identificados e receberam ordem de expulsão, mas também se registaram casos de fuga, como o que aconteceu com o grupo que conseguiu fugir do quartel de Tavira.
Em 2020, o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, afirmou ser prematuro falar de uma nova rota de migração para Portugal, se se comparar com as "dezenas de milhares de chegadas em Espanha", nomeadamente no sul do país, com os barcos que atravessam de Marrocos.
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