O projeto MUDA, lançado em abril, é coordenado por Catarina Vieira, Raquel André e Sara de Castro, ligadas à criação, investigação e formação em artes performativas, e tem com objetivo produzir conhecimento e criar ferramentas de combate e prevenção ao assédio entre quem trabalha nas artes.
Uma das primeiras iniciativas da MUDA é o lançamento de um inquérito nacional, para recolha de dados e produção de um estudo científico sobre casos de assédio laboral e sobre o impacto social e psicológico nos profissionais das artes performativas e cruzamentos disciplinares.
"Um dos grandes objetivos é conseguir chegar ao mais diverso grupo possível de pessoas de diferentes locais do país, com contratos laborais diferentes; artistas, técnicos, produtores, professores, estudantes. É o nosso grande objetivo de trabalho", explicou à Lusa a performer e investigadora Raquel André, uma das coordenadoras científicas da MUDA.
O inquérito fica disponível na página oficial e nas redes sociais da MUDA, a partir de quinta-feira e até ao final de setembro e, segundo a investigadora Dália Costa, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, são esperadas pelo menos entre 400 a mil respostas.
"Todo este projeto tem como grande finalidade fazer um mapeamento das situações de assédio e com uma intenção muito clara, transformadora. [...] Queremos saber que pessoas, com que idade, com que identidade de género, com que vulnerabilidade do ponto de vista da deficiência" têm situações a relatar, enumerou a investigadora.
O projeto disponibiliza ainda, aqui, linhas de orientação sobre o que fazer em caso de ser vítima de assédio ou em caso de testemunhar ou conhecer alguém que tenha sido.
Este inquérito surge numa altura em que se tornou conhecido mais um possível caso de assédio no meio cultural.
Este não é o primeiro caso a fazer manchete em Portugal:
"É um setor muito desregulado"
Sara de Castro, que também faz parte da coordenação executiva, reconhece a dificuldade em conseguir dados exatos sobre o número de trabalhadores nas artes performativas (como teatro, música, dança, artes circenses) e cruzamentos disciplinares.
"É um setor muito desregulado. A IGAC [Inspeção-Geral das Atividades Culturais] tem números parciais, porque há muitos trabalhadores que não estão inscritos como trabalhadores da Cultura. É muito difícil termos com precisão qual o universo de trabalhadores do setor", disse Sara de Castro.
Raquel André corrobora: "Acho que o estudo vai revelar isto: A precariedade do setor está de mãos dadas com o assédio. É um setor muito propício para assédio laboral pela falta de condições de trabalho".
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, em 2023, a população empregada no setor cultural e criativo em Portugal era de 201 mil pessoas.
Em 2021, o Observatório Português das Atividades Culturais lançou um inquérito nacional sobre profissionais independentes das Artes e da Cultura, concluindo que perto de quatro em cada 10 trabalhadores eram prestadores de serviços sem qualquer contrato, ou seja "recibos verdes", e que metade ganhava menos de 600 euros mensais.
Esta relação entre precariedade laboral e vulnerabilidade face a situações de assédio não é de agora e as coordenadoras da MUDA têm andado, pelo menos desde 2018 e 2019, a debater o assunto e a escutar testemunhos do meio artístico.
Os dados do inquérito agora a lançar só serão conhecidos em março de 2026 e com eles a MUDA quer produzir conhecimento, nomeadamente a criação de um manual de boas práticas para denunciar e responder a situações de assédio laboral, a preparação de propostas e o lançamento de ações de formação.
"O que é que numa sala de ensaio, numa instituição cultural se pode mudar; o que falta concretamente para agirmos, para o assédio poder não ser um problema tão comum e tão presente no nosso setor?", perguntou Raquel André.
Manual sobre assédio e com propostas de boas práticas
Todo este trabalho da MUDA acontece numa altura em que a associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento já lançou este ano um manual sobre assédio e com propostas de boas práticas para ambientes de trabalho mais seguros, em concreto no cinema e no audiovisual.
Raquel André explicou que a MUTIM tem sido parceira da MUDA também neste trabalho, mas acredita que poderão surgir dados novos, porque vai ser feito um inquérito com base científica.
Inquérito financiado pelo Governo com 45 mil euros
Este inquérito nacional conta com o apoio financeiro da Direção-Geral das Artes e o financiamento obtido, de 45.000 euros, só permite restringi-lo às artes performativas e cruzamentos disciplinares, deixando de fora as artes visuais, o cinema e o audiovisual.
"Não é abrangente de toda a Cultura. O mais importante é começar, por isso é que falamos de mapeamento e não de amostra representativa. Mas temos de começar por algum lado, por alguma ponta desta meada", reconheceu a investigadora Dália Costa.
E Sara Castro sublinhou a vertente informativa do projeto MUDA: "Quando nos lançamos sobre este assunto apercebemo-nos da total falta de literacia sobre este tema, que existe de uma forma transversal. As pessoas nem sabem que algumas situações podem ser consideradas assédio, quanto mais saber onde fazer uma denúncia."
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