Um incêndio de grandes dimensões há 20 anos no concelho de Pombal, distrito de Leiria, levou à criação na freguesia de Carnide de uma brigada autárquica de voluntários, hoje unidade local de proteção civil (ULPC).
Daquela primeira semana de agosto de 2005, o então presidente da Junta de Carnide, Eusébio Rodrigues, recorda o dia em que deixou a freguesia de manhã e encontrou "outra completamente diferente" ao final do dia, com "tudo queimado, de um lado e do outro, e o resto ainda a arder".
"Pensei que era o fim do mundo", afirmou à agência Lusa Eusébio Rodrigues, de 57 anos, que de 2001 a 2013 foi presidente da Junta de Freguesia de Carnide, a uma dúzia de quilómetros da sede do concelho.
O antigo autarca recuou àquele mês para lembrar que "o incêndio começou numa freguesia do concelho e deu a volta às freguesias todas".
Em Carnide, "onde 50% a 60%" da freguesia foi atingida, populares foram obrigados a refugiar-se na igreja, três casas de primeira habitação acabaram destruídas e as festas canceladas.
Que medidas tomou a autarquia?
Questionado sobre que lição aprendeu a freguesia com este fogo, respondeu: "Criei, de imediato, uma brigada, que é agora a unidade local de proteção civil".
"Entendíamos que uma primeira intervenção valia muito relativamente aos incêndios", justificou Eusébio Rodrigues.
A junta comprou uma viatura, cujo pagamento foi feito com recurso a rifas e houve donativos de particulares, comerciantes e entidades, e o Município de Pombal ofereceu um 'kit', que incluiu um depósito para 500 litros de água.
"Só tem quinhentos litros de água, são cinco minutos, mas aqueles cinco minutos, no início de um fogo, são fulcrais", considerou.
Depois, juntaram-se voluntários, às dezenas, e a freguesia passou a ter, no verão do ano seguinte, uma equipa permanente de vigilância, "24 sobre 24 horas".
Nesse agosto de 2005, o susto foi de tal ordem que a junta ainda equipou uma outra viatura com um depósito de mil litros.
Para Eusébio Rodrigues, a criação da brigada autárquica de voluntários, que assumiu posteriormente a designação de ULPC, ajuda a proteger a freguesia, mas tem de haver coordenação.
"São importante no início e no rescaldo" do incêndio, observou.
"Pessoas iam ter ao quartel, queriam ajudar"
Nelson Pereira, de 48 anos, bombeiro há 33 na corporação de Pombal, esteve dias seguidos de noites no combate a este incêndio que chegou a "todo o concelho, menos à cidade".
Admitindo que este fogo foi, provavelmente, o pior que já enfrentou, pois havia "muitos focos ao mesmo tempo" e os bombeiros não conseguiam chegar a todo o lado, Nelson Pereira recordou que numa das noites, numa viatura da corporação, juntaram-se cinco civis.
"Já não tínhamos mais bombeiros e as pessoas iam ter ao quartel e queriam ajudar", relatou Nelson Pereira, presidente da Junta de Pelariga, que termina em outubro o terceiro mandato.
Do combate a esse fogo, descreveu um momento arrepiante quando, precisamente na zona de Carnide, teve de ir salvar uma equipa dos bombeiros que tinha ido com uma ambulância para resgatar pessoas e ficou cercada pelo fogo. Salvaram-se todos.
Na mesma freguesia, o sobressalto aumentou quando um casal deu conta de que a neta estava em casa, mas após arrombamento da porta não foi encontrada. O alívio chegaria depois, quando se soube que estava com outro familiar.
O bombeiro narrou também momentos de frustração quando não se conseguiu salvar um barracão, onde estavam animais, ao lado de uma casa, que ficou incólume.
"Uma pessoa mesmo conseguindo safar a casa, sente-se um bocadinho impotente. Se tivéssemos chegado cinco minutos mais cedo...", desabafou.
Em 2005, arderam 8.856 hectares ou 15% do concelho que tem 626 quilómetros quadrados. Cerca de 68% é floresta e mato, segundo dados do Serviço Municipal de Proteção Civil.
Nelson Pereira, que representa as juntas de freguesia nas comissões municipais de Proteção Civil e da Defesa da Floresta Contra Incêndios, realçou a mais-valia das unidades locais de proteção civil na "questão da vigilância e na primeira intervenção", defendendo a sua disseminação.
"A vigilância e uma rápida primeira intervenção - não estou com isto a dizer que as intervenções dos bombeiros não sejam rápidas, mas, por vezes, temos corpos de bombeiros que não estão em cima da nossa freguesia ou propriamente ao lado - acho que isto pode ser uma mais-valia para evitar grandes tragédias".
O autarca sublinhou o papel fundamental das juntas de freguesia nesta área [Proteção Civil] e noutras, embora nem sempre reconhecido, mas tirando desta equação os municípios.
"O presidente de junta, ao montarmos o posto de comando num teatro de operações, deve ser uma das primeiras pessoas a serem chamadas ao local. Eu falo por mim, mas quase todos de certeza: conheço a minha terra como a palma da minha mão, os caminhos, conheço os aceiros, e, por vezes, nós, no teatro de operações, no posto de comando, somos ignorados", adiantou, considerando que este aspeto devia ser tido em atenção.
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